Filosofia

Nietzsche, uma ameaça para a Igreja?
PERGUNTA
Nome:
Fabricio Pracidelli
Enviada em:
07/02/2005
Local:
Curitiba - PR, Brasil
Religião:
Ateu
Idade:
18 anos
Escolaridade:
Superior em andamento
Profissão:
Estudante

Como ninguém perguntou, qual a sua oipinião a respeito de nietzsche e seus escritos e até onde isso pode ameaçar a igreja católica??? Grato desde já.
RESPOSTA

Caro Fabrício,

Você pergunta o que achamos da filosofia de Nietzsche e se seus escritos representam alguma ameaça para a Igreja. Em primeiro lugar, o que Nietzsche escreve não é filosofia, pois a filosofia é uma ciência que procura, a partir do estudo do mundo, conhecer o que há de mais profundo no ser, em qualquer coisa que existe. Isso que há de mais profundo no ser não é uma lei misteriosa, nem um segredo, mas é simplesmente aquilo que é comum a tudo o que existe, por exemplo: que as coisas são o que são, e não podem ser e não ser ao mesmo tempo. Esses são princípios do ser, princípios invioláveis que a filosofia enuncia a partir do conhecimento das coisas que existem no mundo: as árvores, as cadeiras, os computadores, os homens, Deus, os anjos e até mesmo o próprio Nietzsche. Quem nega esses princípios não faz filosofia.

Nietzsche nega esses princípios, pois ele nega o ser. Negando o ser, nega que deva haver uma lei que rege os seres, daí, aplicando-se isso ao homem, nega a validade da lei moral. Como você deve saber uma das marcas do pensamento de Nietzsche – e muito provavelmente aquilo que mais lhe interessa nele – é sua rejeição da moral, para ele o homem deve fazer o que quiser, sem se sentir constrangido por nenhuma lei; para ele a moral é uma lei de homens fracos e ele prega o homem forte, o homem que não se prende por nenhuma lei.

Mas veja como ele é contraditório consigo próprio. Pretendendo estabelecer uma plena liberdade ele nega que o sujeito (que para ele não existe, pois a crença na individualidade dos seres é a crença numa fantasia, toda metafísica é para ele uma falsidade criada pela linguagem) seja dono de suas vontades. Para ele tudo o que nós fazemos é determinado por uma vontade de poder impessoal, nós não somos donos de nossos pensamentos, nós não somos donos de nossas ações. Agora você deve perguntar-se: onde está então a liberdade? Em lugar nenhum, para Nietzsche, em sua filosofia, não existe liberdade.

E como esse ‘filósofo’ justifica essa ‘filosofia’, aliás, para que essa necessidade de tantas justificações? Se ele simplesmente quer fazer o que seja, que faça. Para que ele precisa inventar todo um sistema contraditório que reinvente o mundo e desinvente o homem? Você, muito perspicazmente pensará: “para mostrar que essa verdade que inventaram sobre o mundo é uma grande mentira, para libertar o homem do jugo da moral!” Bem, como já vimos, para Nietzsche o homem não existe e muito menos tem a capacidade de ser livre.

Seja um pouco mais perspicaz e perceba que todo homem vive da verdade e da lei que há no ser, por isso, quando um homem não quer seguir a lei própria dos seres, por ter uma vontade torpe, ele precisa inventar uma outra lei, ele precisa criar uma outra verdade. É isso o que Nietzsche faz. No entanto, se de fato a verdade não existe e não tem valor, para que inventar uma verdade?

Vamos primeiro à explicação sobre a justificativa nietzschiana da não liberdade. Para ele o mundo é vontade de poder. Vontade de poder é mais ou menos a estrutura dos seres, os seres nada são, apenas a vontade de poder é. Mas não é algo determinado, é uma vontade de domínio que muda em suas formas continuamente. Daí o surgimento dos mais diversos tipos humanos, todos, mais ou menos declaradamente querendo estabelecer um domínio sobre os outros, pois as vontades de poder querem dominar-se umas às outras. Um dos tipos que a vontade de poder faz surgir é o cientista, que pretende dominar a natureza, estabelecendo-lhe leis; outro tipo é aquele que ele chama de sacerdote, que pretende dominar os homens inventando uma verdade fora do mundo à qual todos se devem submeter; ainda um outro é o próprio Nietzsche, que pretende dominar os homens inventando uma moral da liberdade e negando a verdade estabelecida pelos sacerdotes. A criação da verdade é portanto, como diz Nietzsche, um instrumento de domínio da vontade de poder.

Seja bem perspicaz, agora e responda: quem tem mais valor, quem está mais certo? O cientista, o sacerdote ou Nietzsche?

Para Nietzsche tem mais valor aquele homem que sabe que não existe verdade, que sabe que toda verdade é inventada, mas que não nega o valor do uso da verdade. E sobretudo que consegue obter domínio. Nesse sentido Nietzsche chega até a elogiar os sacerdotes: 

“O cristianismo moldou as personalidades talvez mais sutis da sociedade humana: as do alto clero católico. O rosto humano, nelas, termina por impregnar-se completamente da espiritualidade que engendram o fluxo e refluxo constantes de duas espécies de ventura: o sentimento de poder e o de renúncia. Nelas reina o nobre desprezo da fragilidade do corpo e da felicidade, tal como se encontra no soldado nato... A vigorosa beleza, a fina perfeição dos príncipes da Igreja foram sempre para o povo uma prova da verdade da Igreja.” ("Aurora", Nietzsche)

Você sabia disso? Certamente que não. Mas o que significa esse elogio? Significa simplesmente que ele reconhece o grande valor que é dominar-se, embora não entenda o que é de fato um homem com pleno domínio de si mesmo. Pois dominar-se é seguir a lei do ser, dominar-se é ter a liberdade verdadeira de agir apenas de acordo com o melhor e não de acordo com o mais fácil, ou o mais agradável. Nietzsche, pelo contrário, fica de bom humor e trabalha bem apenas quando é capaz de sentir o sabor dos legumes, e é tão elevado que fica reparando no modo como lhe abrem a porta para poder sentir-se bem, como um menino mimado que só fica bem com paparicos:

“O trabalho e o bom humor continuam e continuam em um tempo fortissimo. Também se me trata aqui comme il faut [como se deve]: como a alguém extremamente distinguido. Têm um modo de abrir-me as portas que não tinha encontrado em nenhuma outra parte" (carta a Overbeck, 13-11-88).

A Overbeck, no Natal de 88:

“O que aqui, em Turim, é maravilhoso, é a perfeita fascinação que eu exerço... quando chego a um grande estabelecimento: todos os rostos mudam... Dão-me o mais rebuscado nas preparações mais rebuscadas — jamais tive idéia do que podiam ser a carne, os legumes, e todos os pratos propriamente italianos... Meus servidores brilham por sua finura e cortesia.. .”

Sim, o que Nietzsche quer é o agradável, é o viver sem direção, é perder o domínio de si mesmo, veja o que diz em umas cartas que escreve a seu amigo Peter Gast: 

“Faço tantas farsas imprudentes comigo mesmo e tenho tais ocorrências de Arlequim que, às vezes, em plena rua, me ponho a rir sarcasticamente durante meia hora. Não poderia dizê-lo de outro modo” (26-11-88), “A intensidade de meu sentimento me faz estremecer e rir. . . Durante meus passeios chorei... lágrimas de alegria. Além disso, cantava e dizia coisas sem sentido(…)”. (14-8-81).

A carta de 88 foi escrita pouco antes que seu amigo Overbeck fizesse a gentileza de levá-lo ao psiquiatra e ambas mostram como ele chegou a viver de acordo com o que pregava em seus livros de filosofia, veja o que diz pela boca de seu Zaratustra:

“Sim minha virtude é a virtude de um bailarino, e freqüentemente saltei com ambos pés até um êxtase de ouro e esmeralda: Sim, minha maldade é uma maldade ridente, que habita entre colinas de rosas e alambrados de lírios.” (Zaratustra 3, Os sete Selos, §6).

Que bela imagem para um homem grandioso, viver a passear rindo e chorando entre rosas e lírios e esmeraldas...

Veja a descrição que Overbeck faz dele quando o encontra em Turim para levá-lo de volta para casa: 

“Começou a cantar em voz alta, a tocar furiosamente o piano, a dançar e a saltar fazendo contorções; logo, voltou a falar com uma voz indescritivelmente reprimida, de coisas sublimes, admiravelmente claras e indizivelmente espantosas sobre si mesmo, considerando-se o sucessor do Deus morto”. 

Claro, ele já estava louco e como poderia ser diferente sendo a sua filosofia o que era?

Agora você me diga: como esse homem descontrolado e escravo das paixões pode ser uma ameaça para a Igreja, como um homem para quem o ideal humano é personificado na figura de um bailarino, como ele escreve em seu Zaratustra, pode ser uma ameaça para quem quer que seja? Pode ser uma ameaça somente para alguém que não entende o que ele escreve e ainda assim o admira, pode ser uma ameaça para aqueles pássaros incautos de quem ele fala, que se deixam prender em suas redes. Pode ser uma ameaça para os homens que não sabem o que é a verdadeira liberdade, a liberdade dos filhos de Deus, para os homens que acham que liberdade é ser escravo das paixões.

Ainda mais um ponto que talvez lhe interesse pois você se diz ateu. Quando Nietzsche fala da morte de Deus ele fala que será necessário inventar para si uma verdade. Ele reconhece que o homem não vive sem verdades, mas o problema é que ele quer ser o criador de verdades. Você se diz ateu e na verdade você é um adorador de ídolos, pois ou você mesmo se coloca como Deus, ou você, talvez sem perceber, endeusa Nietzsche, aceitando como verdade absoluta as fantasias desse ‘filósofo’.

Se você de fato acreditou, ou levou o Nietzsche a sério, você fez uma péssima escolha, pois você escolheu ser escravo de uma vontade de poder que não é nada, para não aceitar a verdade de Deus, que não quer que você seja um bailarino, nem que você fique gargalhando como um doente por meia hora no meio da rua, mas quer que você seja realmente forte, realmente dono do seu ser. Não pense que um verdadeiro católico é um homem tolo que se refugia numa verdade inventada para fugir do mundo real porque este o machuca, isso quem faz é Nietzsche, que era um doente hipocondríaco que no livro Ecce Homo fica elogiando a própria saúde e falando de sua alimentação. 

Veja o que escreve para sua irmã esse grande homem, veja que preocupações elevadas:

“Meu aspecto é magnífico; devido a constantes caminhadas, quase tenho a musculatura de um soldado; o estômago e o abdômen estão em ordem. Meu sistema nervoso — tendo em conta a incrível atividade que deve cumprir — é excelente: muito fino e muito forte” (escrita por volta de julho de 1881).

Veja quanta preocupação com a saúde e que declaração de fraqueza:

“Meu sentimento tem explosões tão violentas que, no mais rigoroso sentido, basta um instante para que eu mude e adoeça completamente.” (a Overbeck, 11-7-83). 

“O que poderia ordenar o modo mais racional de viver se, entretanto, e a cada instante, a veemência do sentimento me golpeia como um raio e destrói a ordenação de todas minhas funções somáticas?" (a Overbeck, 26-12-83).

Ele não se ordena racionalmente porque seu estado de saúde não permite.

Deus exige dos católicos uma grande coragem, a coragem dos mártires. Mas, talvez você prefira ser bailarino como Nietzsche e andar chorando pelas montanhas. Enfim, isso é uma questão de vontade. Se você quiser ser um verdadeiro homem procure ler alguns relatos de mártires, aliás, mando para você um link de um belo relato de um menino de 14 anos que foi morto no México, depois de ter sido brutalmente torturado, por não querer renegar a religião. Só para você ter uma idéia: cortaram-lhe as plantas dos pés e fizeram-no andar pela cidade até o cemitério, durante o caminho ele apanhava, fizeram-lhe cavar o lugar em que seria enterrado e ele não desistiu de ser católico. Claro, você pode achar melhor comer direitinho e dançar ballet, mas isso não são coisas para homens de verdade.

Que Nossa Senhora o ajude a amar a verdade,

Maria Sofia