Doutrina

Dúvidas sobre a Visão Beatífica
PERGUNTA
Nome:
Pedro
Enviada em:
31/01/2025

 Boa tarde.

 

O que acontece com o intelecto de uma pessoa quando esta tem a visão beatífica ? Ela ainda usará o raciocínio lógico ou somente intuição ?

 

Gostaria de saber a posição da Igreja a respeito disso e se Ela possui dogmas quanto a esse assunto.

 

Atenciosamente,

 

Pedro
RESPOSTA
 

Prezado, salve Maria!

Papa Bento XII, ano 1336, Constituição “Benedictus Deus”, sobre a visão beatífica:

“(definimos) que tal visão da essência divina e a sua fruição fazem cessar nelas os atos de fé e de esperança, enquanto a fé e a esperança são propriamente virtudes teologais; e, depois que tal visão intuitiva face a face e tal fruição teve ou tiver início nelas, esta visão e fruição – sem alguma interrupção ou privação da mencionada visão e fruição –, permanecem ininterruptos e continuarão até ao juízo final e, a partir deste, por toda a eternidade”.

O Dominicano Reginald Garrigou Lagrange, no seu livro O Homem e a Eternidade, Pág 262:

“Dado o seu carácter intuitivo e imediato, esta visão ultrapassa de longe todo o conhecimento abstrato, discursivo, analógico, que só a partir dos efeitos se guinda até Deus. Está muito acima de toda a abstração, de todo o raciocínio, de toda a analogia. Trata-se da intuição imediata da Realidade suprema, do Deus vivo. Ultrapassa também de longe todas as visões intelectuais, que na terra recebem alguns místicos e não vão além da ordem da fé, porque não dão ainda a evidência intrínseca da Trindade. A visão beatífica, pelo contrário, dá esta evidência e mostra que, se Deus não fosse trino, não seria Deus.

Portanto, somos chamados a ver a Deus, não apenas no espelho das criaturas, por muito perfeitas que sejam, não apenas pelo seu reflexo no mundo angélico, mas a vê-lo imediatamente, sem qualquer intermediário criado, cuja visão se interporia; vê-lo-emos melhor, mesmo, do que qualquer pessoa com quem falamos, porque Deus, sendo totalmente espiritual, estará intimamente presente na nossa inteligência, que esclarecerá e fortificará para lhe comunicar a força necessária para o ver.

Como mostra São Tomás (I, q. 12, a. 2), entre Deus e nós não haverá, sequer, o intermediário de qualquer ideia, porque toda a ideia criada, mesmo infusa, por muito elevada que se suponha, constituirá sempre uma participação limitada da verdade e não poderá, portanto, representar, tal como é em si mesmo, aquele que é o próprio ser, a verdade infinita, a sabedoria sem limites, a fonte luminosa de todo o saber. Nunca uma ideia poderia representar, tal qual é em si mesmo, aquele que é o próprio pensamento, o «próprio entender subsistente», pura luminosidade intelectual, eternamente subsistente. O balde de uma criança, observa Santo Agostinho, também não pode conter o oceano.

Também não poderemos, dizem os teólogos, exprimir a nossa contemplação numa palavra, mesmo com uma palavra interior, um verbo mental, porque esta palavra criada e finita não poderia exprimir o infinito, tal como é em si mesmo. Esta contemplação imediata absorver-nos-á, de algum modo em Deus, deixando-nos sem palavras para a traduzir, porque um único verbo pode exprimir perfeitamente a essência divina: o Verbo gerado desde a eternidade pelo Pai. A essência divina, sendo sumamente inteligível por si mesma e mais íntima a nós que nós próprios, desempenhará na nossa inteligência, fortalecida e esclarecida, o papel de ideia impressa e expressa. Não pode conceber-se, na ordem da inteligência, uma união mais intima, embora comporte graus diversos.

Na terra, sempre que nos encontramos em presença de um espetáculo sublime, não encontramos palavras para o exprimir e dizemos que é inefável e inexplicável; com maior razão poderemos dizê-lo, quando virmos a Deus face a face. Sendo intuitiva e imediata, esta visão não será, contudo, compreensiva, como a que Deus tem de si mesmo. Só Ele pode conhecer-se na medida em que é cognoscível. Não há qualquer contradição. Na terra, muitas pessoas veem melhor ou pior a mesma paisagem, segundo a maior ou menor perfeição da sua vista, e, no entanto, cada, uma delas vê a paisagem toda. Do mesmo modo, várias inteligências apreendem com maior ou menor profundidade a mesma verdade enunciada, conforme são mais ou menos argutas. Cada uma delas apreende toda a proposição enunciada (sujeito, verbo e atributo), mas apreende-a melhor ou pior. No céu, todos os bem-aventurados vêem Deus imediatamente, mas com penetração diferente, proporcionada aos seus méritos, e nunca tão profundamente como Deus se conhece a si mesmo, tanto quanto é cognoscível, em tudo o que é, em tudo o que pode, em tudo o que quer”.

Esperando tê-lo respondido, peço que, por caridade, reze por nós.

In báculo cruce et in virga virgine,

Francis Mauro Rocha.