Doutrina

Instituição da Eucaristia
PERGUNTA
Nome:
Israel Ternus Lamb
Enviada em:
10/02/2011
Local:
Novo Hamburgo - RS, Brasil
Religião:
Católica
Escolaridade:
Superior em andamento


Caríssimos da Montfort

Salve Maria!

Excelente a ideia de publicar as cartas respondidas pelo professor e que ainda não haviam vindo a público. Porém, ainda melhor é ver que as novas cartas enviadas são respondidas com o mesmo nível e com a ortodoxia de sempre, característica da Montfort e de sua luta. Deus vos pague por tamanho serviço prestado às almas.

Por isso, aproveito para enviar a minha humilde dúvida.

Cristo instituiu a Eucaristia na quinta-feira santa. Nesse momento, o pão e o vinho se tornaram Corpo e Sangue de Cristo, e Ele se entregou inteiramente aos discípulos, correto?

Isso quer dizer que houve um sacrificio incruento realizado por Nosso Senhor antes do seu sacrífico na Cruz?

Há diferença entre o sacrifício realizado antes e o realizado até hoje após a paixão e morte de Cristo? Pergunto porque o realizado por Ele mesmo na quinta-feira Santa não pode ser a renovação do que ainda não havia sido feito, como de fato o é hoje.

Espero não estar confundindo nada, especialmente ao tratar de matéria tão santa como o Santíssimo Sacramento.

Um forte abraço a todos!

Fiquem na Paz do Senhor, que vem pelo combate em defesa da Santa Fé Católica.

Israel
RESPOSTA

Prezado Israel,
Salve Maria.
 
     Para tratar de assunto tão elevado e sublime não posso deixar de confessar o temor que há em minha alma por conhecer as minhas misérias, e, ao mesmo tempo, desconhecer o real e profundo significado do Mistério da Santa Missa. Para criar coragem e cumprir, na medida do possível, a ordem de Cristo "Ide e ensinai", recordo aqui uma antiga e belíssima oração à Nossa Mãe Santíssima:
 
Sub tuum praesidium confugimus, sancta Dei Genitrix, nostras deprecationes ne despicias in necessitatibus, sed a periculis cunctis libera nos semper, Virgo gloriosa et benedicta.
(À vossa proteção recorremos, Santa Mãe de Deus, não desprezeis as nossas súplicas em nossas necessidades; mas livrai-nos sempre de todos os perigos, o Virgem Gloriosa e bendita)
 
     De início gostaria de mencionar que é somente através da Fé e dos atos de Fé que podemos atingir - em Cristo - um parvo conhecimento do que é a Eucaristia.
     Para expressar com precisão as relações entre a inteligência, a vontade e a fé, acrescento logo abaixo uma citação de Dom Columba Marmion, grande teólogo do final do século XIX e início do século XX. José Marmion nasceu em Dublin, na Irlanda, em 1858; e morreu como abade de Maredsous, na Bélgica, em 1923. Foi professor de filosofia e teologia e monge beneditino no Mosteiro de Maredsous. Foi beatificado pelo Papa João Paulo II no ano 2000. Assim ele nos ensina:
 
Crer, diz S. Tomás, é dar, sob o império da vontade movida pela graça, o assentimento, a adesão da nossa inteligência à verdade divina. [...] É a inteligência que crê, mas o coração não é alheio a este acto; e para podermos realizar este acto de fé, Deus cominica-nos, no batismo, um poder, uma força, um <<hábito>> – a virtude da fé – pela qual a nossa inteligência é inclinada a admitir o testemunho de Deus por amor da sua veracidade. Nisto está a essência da fé.” (D. Columba Marmion. Jesus Cristo Vida da Alma, p. 175.)
 
     Em virtude do peso do tema - da mais alta importância - devemos recorrer às fórmulas que a Nossa Santa Mãe Igreja nos ensina para que possamos meditar e amar ao longo de toda a nossa vida esse mistério, que revela tanto da bondade de Deus. Afinal, nada é mais importante nesse mundo que a Santa Missa.
 
A-) Questões e Respostas:
 
     Para facilitar o entendimento farei um pequeno sumário com as suas questões seguidas de respostas breves, logo em seguida acrescentarei citações para fundamentar – ainda de forma breve – as respostas dadas.
 
1.      Cristo instituiu a Eucaristia na quinta-feira santa. Nesse momento, o pão e o vinho se tornaram Corpo e Sangue de Cristo, e Ele se entregou inteiramente aos discípulos, correto?
Sim correto.
 
2.      Isso quer dizer que houve um sacrifício incruento realizado por Nosso Senhor antes do seu sacrifício na Cruz?
Correto, mas não podemos distinguir de maneira substancial e absoluta como dois sacrifícios. Há – na verdade – um único sacrifício de Cristo em toda a história. Esse sacrifício é atualizado no tempo em cada Missa. É um sacrifício eterno e temporal. Eterno pois é o Verbo de Deus, a segunda pessoa da Trindade, que Se sacrifica; e é, também, um sacrifício temporal, visto que se atualiza no tempo a cada Missa. Esse milagre torna-se possível porque Cristo tem natureza humana e divina. Notar que Cristo Se sacrifica, afinal é somente Ele que tem a dignidade – o sacerdócio eterno – para imolar a vítima Divina: Ele mesmo.
A distinção – dois sacrifícios (um na quinta-feira e outro na cruz) – só é possível de maneira acidental, pois as espécies, ou as aparências de pão e vinho, permanecem existindo e apresentam-se como distintas.
 
3.      Há diferença entre o sacrifício realizado antes e o realizado até hoje após a paixão e morte de Cristo?
Não há diferença substancial alguma. O sacrifício é o mesmo – único – desde a sua instituição até os dias de hoje. Assim como é o mesmo Cristo que é sacrificado em todos os lugares (espaços) onde há Missa, assim também é o mesmo Cristo que é sacrificado em todos os tempos.
A distinção só se dá de modo acidental, como já foi explicado.
 
B-) Comentários e textos importantes:
 
     A Instituição da Eucaristia ocorreu não durante a Ceia, mas após a Ceia. Para explicitar esse ponto – que é negado por alguns hereges – a Missa de São Pio V reza:
 
Símili modo postquam cenátum est [...]
(De igual modo, terminada a ceia [...])
 
     A Missa, portanto, não foi instituída durante a ceia. E mais importante: a Missa não é uma Ceia.
 
(Para maiores detalhes sobre a definição de Missa:
http://www.montfort.org.br/index.php?secao=cartas&subsecao=doutrina&artigo=20051017170345&lang=bra.
Explicações Sobre a Santa Missa e o significado de cada rubrica:
 
C-) Detalhamento (Os textos fundamentais são os do Concílio de Trento e de São Paulo. Já os textos de Dom Columba são de caráter acessório e não gozam da mesma autoridade dos textos conciliares e epistolares citados):
      
 
     O Papa João Paulo II expõe na Encíclica Ecclesia de Eucharistia um trecho que fazemos questão de reproduzir para nos guiar sobre a que fonte devemos recorrer para compreender o que a Igreja nos ensina sobre a Eucaristia:
 
Como não admirar as exposições doutrinais dos decretos sobre a Santíssima Eucaristia e sobre o Santo Sacrifício da Missa promulgados pelo Concílio de Trento? Aquelas páginas guiaram a teologia e a catequese nos séculos sucessivos, permanecendo ainda como ponto de referência dogmático para a incessante renovação e crescimento do povo de Deus na sua fé e amor à Eucaristia. (Papa João Paulo II, Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, item 09). (o destaque é nosso).
 
     Portanto, para estudarmos a Eucaristia recorremos ao Infalível Concílio de Trento (1545 – 1563), obedecendo ao Sumo Pontífice e ignorando as insensatas palavras dos Padres Fábio de Melo e Joãozinho sobre a Eucaristia, padres receptivos a um novo e estranho vocabulário para tratar do tema e, talvez por isso, bastante prestigiados pela mídia. (Leia o artigo onde Ronaldo Mota rebate, dentre outras afirmações do Pe. Fabio de Melo, a seguinte: “O que é a presença real? A matéria consagrada? O pão e o vinho somente? Não. Juntamente com as duas substâncias está o bonito e sugestivo significado da ausência.” Afinal, de onde o Pe. Fábio de Melo retirou essas palavras?).
 
     No concílio de Trento há duas sessões de interesse para o nosso estudo: A sessão 13ª com um decreto sobre a Eucaristia, e a sessão 22ª com o decreto sobre o sacrifício da Missa.
 
Por isso, o mesmo sacrossanto Sínodo, transmitindo a sã e autêntica doutrina sobre este venerável e divino sacramento da Eucaristia, <doutrina> que a Igreja católica, instruída pelo próprio nosso Senhor Jesus Cristo e por seus Apóstolos e ensinada pelo Espírito Santo, que dia após dia lhe traz à mente toda a verdade [cf. Jo 14, 26], sempre guardou e conservará até o fim do mundo, proíbe a todos os fiéis cristãos de ousar, depois disto, crer, ensinar ou pregar sobre a santíssima Eucaristia de outro modo do que o explicado e definido no presente decreto” Proêmio da 13ª sessão, 11 out 1551: Decreto sobre o sacramento da Eucaristia. (destaque nosso)
 
     Como de costume, iremos expor o significado preciso da Eucaristia e da Santa Missa e depois expor com maior detalhe alguns pontos mais importantes para fundamentar a solução da dúvida.
 
Cap 1. A presença real de nosso Senhor Jesus Cristo no santíssimo sacramento da Eucaristia
           
     Em primeiro lugar, o santo Sínodo ensina e professa aberta e simplesmente que, no sublime sacramento da santa Eucaristia, depois da consagração do pão e do vinho, nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e <verdadeiro> homem, está contido verdadeira, real e substancialmente sob aparência das coisas sensíveis. Pois não há contradição nisto, que o mesmo nosso Salvador esteja sempre sentado à direita do Pai nos céus, segundo o <seu> modo natural de existir, e que, não obstante, esteja para nós sacramentalmente presente em sua substância, em muitos outros lugares, segundo um modo de existência que, embora mal o possamos exprimir em palavras, podemos reconhecer pelo pensamento iluminado pela fé como possível para Deus [cf. Mt 19, 26; Lc 18, 27], e no qual devemos crer firmemente.” (Denzinger, 1636)
 
     É de capital importância notar que as palavras do concílio referem-se à presença de Cristo tanto na Trindade quanto na Eucaristia; ambas, substancialmente. Como é a Segunda Pessoa da Trindade – o Verbo de Deus – quem Se sacrifica na Missa, esse sacrifício é único, e é renovado ou atualizado no tempo substancialmente a cada Missa. Sendo assim é a natureza da vítima, divina e humana em sua substância única (a encarnação é uma união substancial [união hipostática] de duas naturezas), que torna possível um sacrifício único que se atualiza a cada Missa.
 
 
Já que no Antigo Testamento – como atesta o Apóstolo Paulo –, devido à incapacidade do sacerdócio levítico, não havia <ainda> a consumação, foi necessário, segundo a disposição de Deus, Pai das misericórdias, surgir outro sacerdote “segundo a ordem de Melquisedec” [Sl 110,4; Hb 5,6; 7,11; cf. Gn 14, 18], nosso Senhor Jesus Cristo, que pudesse levar à consumação e à perfeição todos os que deviam ser santificados [cf. Hb 10, 14].
Este nosso Deus e Senhor, embora se houvesse de oferecer uma vez <por todas> a Deus Pai sobre o altar da cruz por sua morte [cf. Hb 7, 27], para realizar para eles [ali] uma redenção eterna, contudo porque seu sacerdócio não devia extinguir pela morte [cf. Hb 7,24], na última ceia, “na noite em que foi entregue” [1Cor 11, 23], para deixar à sua dileta esposa, a Igreja, um sacrifício visível – como a natureza humana exige -, pelo qual fosse tornado presente aquele sacrifício cruento que se havia de realizar uma vez <por todas> na cruz e seu memorial permanecesse até o fim dos séculos e seu poder salutar fosse aplicado para a remissão dos pecados que diariamente cometemos, declarando-se constituído “sacerdote eterno segundo a ordem de Melquisedec” [cf. Sl 110,4; Hb 5,6; 7 ,17]”. (Denzinger, 1739). (destaques nossos).
 
 
     O Memorial que permanece até o fim dos tempos e torna presente o sacrifício único é a Missa. 
 
“O corpo está sob a espécie do pão e o sangue sob a espécie do vinho por força das palavras, enquanto o corpo está sob a espécie do vinho e o sangue sob a espécie de pão e a alma sob ambas as espécies por força daquela natural conexão e concomitância pela qual se unem entre si as partes do Cristo Senhor, que já ressuscitou dentre os mortos e não mais morrerá [cf. Rm 6,9]. A divindade <está presente> por causa daquela sua admirável união hipostática com o corpo e a alma [can. 1 e 3]”. (Denzinger, 1640)
 
 
     União hipostática é a união em uma só pessoa da divindade e da humanidade de Cristo.
     Em Cristo, há duas naturezas, numa só pessoa. Em Cristo há:
 
1 - a natureza divina do Filho Unigênito de Deus, o Verbo de Deus.
2 - a natureza humana, concebida por obra do Espírito Santo no seio da sempre Virgem Maria.
     
     Essas duas naturezas estão unidas numa só pessoa, a do Filho, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.

Assim todos os nosso antepassados que estavam na verdadeira Igreja de Cristo e que trataram deste santíssimo sacramento, professaram muito abertamente que nosso Redentor instituiu este tão admirável sacramento na última Ceia, quando, depois de abençoar o pão e o vinho, testemunhou, com palavras claras e precisas, que lhes estava dando seu próprio corpo e seu sangue. Já que estas palavras, referidas pelos santos Evangelistas [cf. Mt 26, 26 ss; Mc 14, 22 ss; Lc 22, 19s] e repetidas depois pelo divino Paulo [1Cor 11,23s], comportam aquela significação própria e claríssima segundo a qual os Padres as entenderam , é sem dúvida a mais indigna das vergonhas que, por alguns homens contenciosos e perversos, sejam distorcidas, contra o senso [do latim sensus] universal da Igreja, até figuras de estilo fictícias e imaginárias, nas quais se nega a verdade da carne e do sangue de Cristo. Como coluna e fundamento da verdade [1Tm 3, 15], <a Igreja> repudia como satânicas essas invencionices lucubradas por homens ímpios, reconhecendo com espírito sempre grato e fiel este insigne benefício de Cristo.” (Denzinger, 1637)
 
     Ainda temos esperança de que os Padres Fabio de Melo e Joãozinho retratem seus tão graves erros após a leitura das palavras acima.
 
     A principal citação que torna claro que Cristo oferece um único sacrifício eterno e que esse sacrifício é atualizado no tempo a cada Missa é a de São Paulo (Epístola aos Hebreus 9, 24-28). Segue:
 
“Porque Jesus não entrou num santuário feito por mão de homem, figura do verdadeiro, mas (entrou) no mesmo céu, para se apresentar agora diante de Deus por nós. E não entrou para se oferecer muitas vezes a si mesmo, como o pontífice entra todos os anos no Santo dos Santos com sangue alheio; doutra maneira ser-lhe-ia necessário padecer muitas vezes desde o princípio do mundo; mas apareceu uma só vez no fim dos séculos, para destruir o pecado com o sacrifício de si mesmo. E, assim como está decretado que os homens morram uma só vez, e (que) depois disso (se siga) o juízo, assim também Cristo se ofereceu uma só vez (em sacrifício) para apagar os pecados de muitos; e a segunda vez aparecerá, não por causa do pecado, (mas) para salvação daqueles que o esperam.”
 
     Com base nos textos citados compreendemos que Cristo sacrificou-Se uma única vez.
 
     Para concluir acrescentaremos duas citações de D. Columba Marmion, em "Jesus Cristo Vida da Alma", uma para explicar a relação de Cristo com Melquisedec; e outra citação para meditarmos e – com a graça de Deus – aproveitarmos melhor a comunhão:
 
“E este sacerdócio é << segundo a ordem >>, isto é, à semelhança << do de Melquisedeque >>. São Paulo lembra este personagem misterioso do Antigo Testamento, que representa, pelo seu nome e pela sua oferenda do pão e do vinho, o sacerdócio e o sacrifício de Jesus Cristo. Melquisedeque significa <<Rei da Justiça>>; e a Sagrada Escritura diz-nos que ele era << Rei de Salém >> [Gn XIV, 18], o que significa << Rei da Paz >>. Jesus é rei; sustentou diante de Pilatos, na obra da Paixão, a sua realeza: Tu dicis; é rei de justiça, pois fará toda a justiça; é rei de paz, Princeps pacis [Isa. IX, 6], pois veio para restabelecer neste mundo entre Deus e os homens; e foi no seu sacrifício que a justiça, por fim satisfeita, e a paz, finalmente alcançada deram o ósculo da reconciliação: Justitia et pax osculatae sunt [Sl LXXXIV, 11]” (Dom Columba Marmion, Jesus Cristo Vida da Alma, p. 331)
 
     Sobre a comunhão:
 
“A comunhão termina o sacrifício; é o último acto importante da Missa. O rito de manducação da vítima acaba de exprimir a idéia de substituição e principalmente de aliança, que se encontra em qualquer sacrifício. Unindo-se tão intimamente à vítima que lhe foi substituída, o homem imola-se, por assim dizer, ainda mais: tendo-se a hóstia tornado uma coisa santa e sagrada, ao comê-la, ele faz sua, em certo modo, a virtude divina, que resulta dessa consagração.” (Dom Columba Marmion, Jesus Cristo Vida da Alma, p. 339). 
 
In Corde Jesu, semper, 
Bruno Oliveira