Doutrina

Sem pretender ensinar o Padre Nosso ao Vigário
PERGUNTA
Enviada em:
30/04/2005
Local:
Brasília - DF, Brasil
Religião:
Católica


RESPOSTA

Muito prezado e Reverendo Padre X.,
Salve Maria!
 
    Agradeço seu elogio a meus trabalhos e seus santos desejos de bênção para minha pessoa. Deus lhe pague. Peço-lhe, Padre, que, em suas Missas, não se esqueça da Montfort e de mim.
    Fico bem contente que o senhor considere que, depois do Vaticano II, uma onda de barbárie invadiu a Igreja.
    De minha parte considero que essa onda invasora só conseguiu ser tão devastadora e tão universal, em grande parte, pela Reforma da Liturgia, visto que a Missa é o coração da Igreja Católica. E essa desgraça só teve tão péssimo resultado exatamente pela introdução do vernáculo na liturgia, coisa desejada por Lutero e pelos jansenistas.
    Vejo que o senhor não leva isso em conta, e julga que a adoção do vernáculo na Missa trouxe vantagens.
    Seu erro de consideração, Padre, -- permita-me dizê-lo com todo o respeito pelo seu caráter sacerdotal -- consiste em julgar que a Missa é dirigida primeiramente ao povo.
    Ora, a Missa é rezada para Deus, e não para o povo. Por isso é secundário que o povo entenda todas as palavras da Missa. O povo precisa conhecer o que é a Missa.
    A Missa, o Papa João Paulo II teve que lembrar isso a todo o clero, e a todo o povo, é a renovação do sacrifício do Calvário. Quem sabe disso entre os que freqüentam, e mesmo entre os que rezam a Missa Nova, hoje em dia?
    Poucos...Bem poucos...
    Infelizmente.
    Infelizmente, sim, porque hoje, quando a Missa é rezada em vernáculo, nem o povo, e, muitas vezes, nem certos sacerdotes, sabem o que é a Missa.
    É claro que as partes didáticas da Missa dos Catecúmenos -- a Epístola e o Evangelho junto com o sermão -- visam a instrução do povo. Por isso, sempre essas partes, mesmo na missa de sempre, durante quase dois mil anos, essas partes da Missa foram ditas em vernáculo, para que o povo compreendesse mais facilmente o que lhe era ensinado. As demais partes, que visam a Deus, sempre foram ditas em língua morta, sagrada.
    O senhor sabe muito bem que na Missa se usam palavras em latim, grego e hebraico, porque a condenação de Cristo escrita por Pilatos, e colocada sobre a Cruz, no Calvário, foi redigida em latim, grego e hebraico. Por isso a Missa usa palavras dessas três línguas, visto que a Missa é a renovação do sacrifício do Calvário.
    A missa não é aula. Nem muito menos é show para divertir o povo, como desgraçadamente ela foi transformada depois da reforma da Liturgia decretada por Paulo VI, e redigida com a cooperação de seis pastores protestantes.
    Que se poderia esperar dessa cooperação, senão a destruição da Liturgia, como bem lembrou o Cardeal Ratzinger -- agora, graças a Deus, papa Bento XVI -- várias vezes?
    O senhor me lembra que "Jesus, quando esteve entre os judeus, procurou falar uma língua que lhes fosse compreensível. A língua para ele não era importante".
    Sim, é verdade. Quando Jesus falava, ensinando o povo, usava o aramaico, língua do povo. Por isso, o  sermão deve ser feito, normalmente, em vernáculo.
    Mas o senhor notou, Padre que, no Calvário, Jesus disse "Eli, Eli, lama sabactani", e que os judeus não entenderam o que Jesus disse ?
    Por que não entenderam?
    Por que, na hora do seu divino sacrifício, Jesus não usou a língua do povo. Usou o hebraico, língua sagrada. Usou a língua litúrgica, que o povo normalmente não entendia.
    O senhor me diz, ainda: "A roupagem muda e deve mudar, para que não haja anacronismos ridículos"
    Ora, o ridículo se introduz exatamente com o vernáculo, língua viva, na qual o significado das palavras muda constantemente.
    Veja, por exemplo, Padre, o seguinte exemplo.
    Quando o Padre diz: "Ide, a Missa está acabada" --  o antigo e solene: "Ite, Missa est" -- o povo responde hoje, ridiculamente, um "Graças a Deus", que na linguagem comum significa, hoje: "Ufa! Ainda bem! Não agüentava mais!"
    Bem diferente do solene e sacrossanto "Deo gratias!" de antigamente.
   
    Padre, nas línguas vivas, as palavras mudam continuamente de sentido, o que possibilita a introdução de termos que passam a ter sentido dúbio, errôneo, e por vezes, até obsceno.
    Veja, por exemplo, a palavra formidável. Hoje, dizer que se assistiu a um filme formidável significa que se assistiu a um filme excelente. Entretanto, a palavra formidável significa, literalmente, que dá medo.
    Por isso a Igreja, usa uma língua morta, na qual as palavras tem seu sentido cristalizado, e, portanto, que dificulta a introdução de erros doutrinários.
    O senhor diz que o latim era uma língua pagã.
    Sim, o latim foi uma língua pagã que a Igreja "batizou". E convinha muito para a Missa, culto central da religião de um Deus morto e ressuscitado, o emprego de uma língua morta, que a Igreja ressuscitou e santificou. 
    Toda a sua argumentação a favor do vernáculo se fundamenta na idéia de que o vernáculo é entendido pelo povo.
    Será isso verdade, Padre?
    Será que o povo entende as Epístolas de São Paulo, só porque são lidas em vernáculo ?
    É claro que não, Padre.
    E vamos a uma questão bem mais simples que as epístolas de São Paulo:
    Que se entende quando o padre diz : "O Senhor esteja convosco?"
    Que se entende quando o povo responde : "Ele está no meio de nós".
    Padre, acredito que até muitos sacerdotes, hoje, muito mal formados em seminários que ensinam mal a verdade, e que muitas vezes só ensinam as heresias modernistas, não entendam o que significa essa simples frase, dita em vernáculo: " O Senhor esteja convosco."
    Essa frase tem o verbo no subjuntivo presente, o que exprime desejo. Por ela, o Padre afirma seu desejo de que todas as almas das pessoas presentes à Missa estejam na graça de Deus, possuam a graça santificante, isto é, que participem da vida divina.
     Tenho certeza, pelos debates que já tive, que muitos sacerdotes, infelizmente, nem têm idéia do que é a graça santificante. E se alguns padres não sabem o que é a graça santificante -- e alguns não sabem nem o que o modo subjuntivo exprime -- muito menos o povo sabe o que repete de modo puramente maquinal.
    Ora, a resposta a esse desejo do sacerdote era “Et cum spiritu tuo”. (E com teu espírito).
    O povo retribuía o santo desejo do sacerdote, desejando que Deus habitasse também na alma do sacerdote pela graça santificante, pois ninguém sabe se está ou não na graça de Deus. Desejamos e esperamos estar na graça.   Não sabemos se a possuímos, pois está dito no Eclesiastes (IX,1):
    "O Homem não sabe se é digno do amor, se do ódio" [ de Deus]. [Só Padre Jonas Abib tem a certeza de que está na graça de Deus. Mas essa certeza vai contra a doutrina revelada pela Escritura e confirmada pela Igreja].
    Agora o desejo expresso pelo sacerdote no Dominus vobiscum é respondido com um estranho “Ele está nomeio de nós”.
    Como está no meio de nós?
    Em português seria "Ele está entre nós", e não “no meio de nós".
    E teologicamente isso seria certo?
    Deus está mesmo no meio de nós?
    Isso dá mais idéia de imanentismo panteísta do que de doutrina católica.
    Conforme a doutrina católica isso é descabido. Mas essa tradução absurda do “et cum spirito tuo” está bem de acordo com a doutrina modernista e liturgicista de que Deus está presente na assembléia dos fiéis.
    Na “comunidadje”, como se diz hoje.
    Hoje, se crê mais numa pseudo presença divina no povo — presença gnóstica — do que na presença real de Jesus na hóstia consagrada.
    Essa foi, Padre, uma das péssimas conseqüências do vernáculo na Missa.
    E se o senhor considera que o vernáculo é melhor, porque é compreensível pelo povo, explique-me, Padre, como se deve entender a frase "O amor de Cristo nos uniu".
    Padre, Deus ama a todos os homens, santos e pecadores. A uns, Ele ama, também porque são bons. Os pecadores Ele os ama, porque lhes deseja o bem da conversão, e lhes concede as graças necessárias e suficientes para que se convertam, e vão para o céu. Deus amou Caim e Abel. Mas esse amor de Deus por eles não os uniu.
...A não ser pelo pescoço...
    O amor de Deus não une os bons e os maus.
    É o amor a Deus que une os bons.
    E visto que o senhor defende o uso do vernáculo, ouso -- com todo respeito --  ter dúvida de que o senhor mesmo não se tenha dado conta da importância dessa preposição a na frase citada e analisada logo acima.
    E que significa, em português, o povo responder, logo depois da Consagração, à palavra do sacerdote "Eis o Mistério da Fé!"!:
    "Nós anunciamos, Senhor, a tua morte, e proclamamos a tua ressurreição, enquanto aguardamos a Tua vinda. Vinde Senhor Jesus".
    Como se pode aguardar a vinda de Cristo, se Ele acabou de estar realmente presente na Hóstia consagrada?
    Não insinua essa frase, tão mal colocada, que Cristo ainda não está realmente presente na Hóstia que o Padre acabou de consagrar?
    Essa resposta do povo é, pelo menos, bem ambígua.
    Sei, sei bem o que o senhor -- como todo mundo -- vai argumentar; que se aguarda a vida de Cristo, no final dos tempos, para julgar todos os homens, no Juízo Final.
    Ora, João Paulo II, ainda quando era Cardeal, escreveu uma interpretação diversa desta, que todo o mundo imagina e repete.
    Disse João Paulo II:
    "Jesus prediz a sua segunda vinda, que, como a primeira, deve ser preparada pelo Espírito Santo, não mais no seio da Virgem, mas no seio de todo o Corpo místico. Por isso a Igreja durante a assembléia eucarística proclama depois da consagração: "Anunciamos, Senhor, a vossa morte, e proclamamos a vossa ressurreição. Vinde Senhor Jesus"  (Karol Wojtyla, Sinal de Contradição,Paulinas, São Paulo, 1979, p.82).
    Portanto, para o Cardeal Wojtyla, a segunda vinda anunciada é na união de Cristo com a Igreja, e não propriamente no fim do mundo.
    E se o senhor for discutir o significado do que escreveu o Cardeal Wojtyla, ainda que eu esteja errado em minha leitura, o senhor terá provado que não adianta o texto ser em vernáculo para ser corretamente entendido.
    Portanto, de que adianta a Missa em vernáculo, como a desejavam Lutero e os jansenistas?
    E por que os hereges desejavam que a Missa fosse rezada em vernáculo?
    Desejavam isso, porque diziam que quem rezava a Missa era o povo e não o padre. E esse erro gravíssimo, que acaba com a distinção entre clero e leigos, é repetido por muitos, hoje em dia.
    Por isso, padre, é preciso combater a Missa em vernáculo. É preciso salientar o sacerdócio real e completo do clero devidamente ordenado, e explicar o que é sacerdócio, apenas por participação, do povo fiel.
    A Missa em vernáculo preparou a democratização da Igreja através da colegialidade igualitária.
    O senhor me diz bem que:
    "O que interessa é a verdade, o conteúdo. Se o conteúdo for mau, mesmo que a língua seja maravilhosa, de nada vale. Um hereje pode ser hereje falando latim ou qualquer outra língua. Não é a língua que faz a diferença".
    Por isso, não basta rezar a Missa em latim, se nas frases em latim houver a ambigüidade certas fórmulas da Missa Nova. Mesmo em latim, algumas fórmulas da Missa Nova de Paulo VI -- feitas por seis pastores protestantes -- são criticáveis.
    E ainda falando do texto em vernáculo, será que o povo entende o que significa a fórmula : "Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos?" (Sanctus, Sanctus, Sanctus, Dominus Deus sabbaoth!)
    Será que o senhor não se ofende se lhe disser o que me parece óbvio: que poucos sacerdotes compreendem o que significa essa frase dos anjos revelada por Isaías?
    E por que acredito que bem poucos sacerdotes compreendem essa frase? Porque praticamente ninguém estranhou a troca de "Deus dos exércitos" por "Deus do Universo".
    Ora, nosso Deus não é o Deus do universo. Nosso Deus é o Deus infinitamente transcendente, o Criador do universo. Deus do universo é Júpiter. É Zeus.
    Deus do universo insinua panteísmo.
    E será que se compreende o que significa a palavra Santo aplicada a Deus?
    Entende-se o que é a transcendência divina?
    Quantos compreendem que se diz três vezes Santo para distinguir a Trindade de Pessoas, e depois se afirma que essa Trindade é o Senhor, no singular, afirmando a Unidade de substância do Deus Uno.
    Alguns, muito grosseira e tolamente, vêem uma conotação militarista na fórmula "Deus dos exércitos",  que evidentemente não faz referência às forças armadas, e sim às milícias dos espíritos angélicos, pois que, segundo Isaías, eram dois serafins que cantavam a transcendência divina.
    E quem, nos seminários atuais, explica o que significa transcendência?
    E essa palavra é de língua vulgar!
    Padre, de nada adianta a Missa em português, porque bem poucos hoje, desgraçadamente, mesmo do clero, entendem o que é dito em português.
    Exagero?
    Claro que sei de bem honrosas exceções, entre as quais o incluo.
    Mas elas parecem ser tão poucas...
    Pois faça um teste, Padre.
    Pergunte a sacerdotes de seu convívio, especialmente aos mais jovens ordenados depois do Vaticano II, o que significa Verbo, e como, e por que, está escrito que "No princípio era o Verbo"?
    Tenho a certeza que muitos lhe dirão que esse "no princípio" significa "no começo".
    Só que em Deus não há começo.
    São confusões de quem pensa que entende o vernáculo...
    Confusões de quem aprendeu a Teologia modernista pós conciliar.
    Pergunte ainda como Jesus é o Filho de Deus... Pois se Deus é puro espírito, e não tem corpo, como pode Ele ter um Filho?
    E o senhor verá que explicações estapafúrdias lhe darão os "teólogos" modernos e moderninhos...
    E eles pensam que entendem o português!...
   
    "Coisas espantosas e estranhas se tem feito nesta terra: os profetas profetizaram a mentira, e os sacerdotes do Senhor aplaudiram-nas com suas mãos, e o meu povo amou essas coisas. Que castigo não virá, pois,  sobre essa gente no fim de tudo isto?" (Jer. V, 30).
 
     E não é verdade, Padre, que o Vaticano II mandou abolir o latim na Missa. Pelo contrário, mandou conservá-lo.
     Veja, Padre, o texto do Vaticano II sobre a conservação do latim, na Missa:
 
    "Salvo o direito particular, seja conservado o uso da língua latina nos ritos latinos.
“Contudo, já que, ou na Missa, ou na administração dos Sacramentos, ou em outras partes da Liturgia pode, não raro, o emprego da língua vernácula ser muito útil ao povo, permite-se dar-lhe um lugar mais amplo, principalmente nas leituras e admoestações, em algumas orações e cânticos, conforme as normas que a respeito disso serão pormenorizadamente estabelecidas nos capítulos seguintes" (Concílio Vaticano II, Constituição Sacrosanctum Concilium, n *  36, apud Compêndio do Vaticano II, Vozes, Petrópolis, 1969).
  
     Dar um "lugar mais amplo" foi entendido como eliminar o latim.
     É assim que o novo clero da Nova igreja -- como eles a chamam -- entende o vernáculo
   
     O senhor reconhece que o Vaticano II foi mal interpretado. Entretanto, ele tem versões oficiais em vernáculo...
     Se ele foi mal interpretado é porque foi ambíguo, e não foi claro em suas formulações. Daí, a divisão existente, hoje, na Igreja, entre os seguidores da "letra do Concílio", e os seguidores do "espírito do Concílio".
     O Papa Bento XVI terá que escolher o caminho nesse dilema. E como disse, um jornalista, o Pontificado de Bento XVI se anuncia dramático.
     Rezemos pelo Papa Bento XVI
     Seguirá Bento XVI, na Liturgia, o que ele defendia quando era o Cardeal Ratzinger?
     Ele defendia a Missa versum Deum e não mais versum Populum. E defendia preferencialmente o uso do latim. E o Cardeal Ratzinger condenou o rock na Missa como um "contra culto". Se Bento XVI, restaurar a Missa em Latim, sem rock, e voltada para Deus, e não para o povo, a Missa nova perderá toda a "graça".    
     Deixará de ser show, e acabarão os abusos que João Paulo II condenou, e que ninguém leva em conta. É como se João Paulo II tivesse falado língua que ninguém entende: o latim, a língua da Igreja.
     Para mau entendedor nem longos decretos bastam.
     Perdoe-me, Padre, "mon trop franc parler" - minha linguagem franca demais, e meu tom direto. Mas mesmo escrevendo em vernáculo é preciso ser claro.
     Como na liturgia...     
     Antiga....
     E em latim.
 
In Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli
 
PS Como o senhor me pede, não publicarei sua carta  e nem o seu nome.
Creio, porém que não violo o seu pedido, se publicar somente a minha resposta, sem citar seu nome, e nem a sua missiva -- para aproveitar meu texto, a fim de que seja útil aos leitores do site Montfort.
Com todo o meu respeito e estima OF