Doutrina

Comentário da Salve Rainha
PERGUNTA
Nome:
Roberta
Enviada em:
09/08/2003
Local:
Niterói - RJ,
Religião:
Católica
Idade:
22 anos
Escolaridade:
Superior concluído

Gostaria de saber onde achar a explicação da Salve Rainha, assim como há no catecismo da Igreja Católica a explicação do Credo e do Pai Nosso.
RESPOSTA


Muito prezada Roberta, salve Maria !

A Salve Rainha é uma oração bem antiga, e que tem uma estrutura impressionantemente lógica.

Poderíamos esquematizá-la nos seguintes tópicos:

1- Introdução, invocando a Virgem Maria como soberana Mãe de Deus e nossa;

2- Exposição de nossas necessidades espirituais;

3- Apresentação de nosso pedidos.

4- Saudação final.

A Salve Rainha principia, então, -- como é necessário e conveniente -- com a invocação da Virgem Maria, citando alguns de seus atributos:

"Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura, esperança nossa, salve!"

Assim como a "Ave Maria", a "Salve Rainha" saúda a Virgem Maria com o brado de "Salve", recordando que ela também, embora a mais alta de todas as criaturas, foi salva por Cristo, isto é, que todos os seus privilégios, dons e graças lhe foram concedidos na previsão dos méritos infinitos de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Salve Rainha...

O primeiro título que damos a Maria nessa oração é o de Rainha. Fazemos isso para como que forçá-la a nos ajudar, já que ela tem todo o poder no céu e na terra. Só Deus é onipotente. Mas Cristo quis dar a Ela a onipotência suplicante. O que Ela Lhe pedir, Ele lho concederá, pois Cristo nada recusa à sua divina Mãe.

É o que ficou provado em Caná da Galiléia.

É o que ficou ainda mais provado, quando Ela pedia a Deus que mandasse à terra o Messias Salvador: sua oração foi tão poderosa, que alcançou que Deus se encarnasse:

"Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo", disse-lhe o anjo. E disse-lhe mais: "Não temas Maria, porque achaste graça diante de Deus" (Luc. I, 28-29).

Maria é a Rainha dos anjos e dos santos , pois é Mãe de Deus, soberano absoluto. Mas nem tanto adiantaria, para nós, que Maria fosse Rainha do céus e da terra, se Ela não fosse também nossa Mãe, e Mãe plena de Misericórdia. Que nos adiantaria ser Ela nossa Mãe, se não tivesse poder? E de que adiantaria ter poder, se não fosse também nossa Mãe?

Mãe de Misericórdia...

E o segundo de seus títulos que é lembrado é que ela é nossa Mãe de Misericórdia.

E isto de dois modos: em primeiro lugar, porque, sendo a Virgem Maria, a Mãe de Jesus Cristo, nosso Divino Redentor, ela é realmente a Mãe da Misericórdia, já que Cristo se encarnou por Misericórdia de nós, pobres mortais.

Os anjos e os homens podem ter a virtude da misericórdia, mas Cristo é A Misericórdia, pois que é Deus, e, em Deus, todas as qualidades e virtudes existem em grau infinito. Deus é A Bondade, A Justiça, A Misericórdia, A Beleza, por excelência, enquanto as criaturas apenas podem ter essas qualidades em graus maiores ou menores, mas não são essas qualidades.

Em segundo lugar, Nossa Senhora é Mãe de Misericórdia, porque ela é a criatura que possui essa qualidade no mais alto grau possível, para uma criatura, e porque, sendo nossa Mãe, ela, como modelo de todas as mães, não pode deixar de ter compaixão de nós, que somos seus filhos, por nossas misérias e fraquezas.

Vida...

A seguir se lhe diz que ela é vida.

Como dissemos, somente Deus é A Vida. Jesus, filho de Maria, disse de Si mesmo: "Eu sou o Caminho a Verdade e a Vida" (Jo. XIV, 6). Deus é que nos concedeu a vida, que só Ele é. Mas, no mistério da encarnação do Verbo, Maria Virgem teve o privilégio de conceber, em seu seio virginal e puríssimo, por obra do Espírito Santo, o Verbo de Deus encarnado. Ela foi a Mãe de Deus, a mãe dA Vida. E mãe é aquela que dá a vida. Maria deu vida à Vida, assim como ensinou o Verbo de Deus a falar. Ela deu vida a Cristo, enquanto homem, a Ele que era A Vida, em Deus. Ela ensinou Cristo a falar, a Cristo, Verbo de Deus, enquanto homem. Ela deu palavra àquele que era a Palavra infinita, em Deus, enquanto Deus.

Nossa Senhora é chamada ainda de "vida" porque só por meio dela recebemos a vida da graça em nossas almas.

Deus poderia ter vindo ao mundo por muitos meios. Ele, Sabedoria infinita,-- nos ensina São Luis Maria Grignion de Montfort -- Ele escolheu o melhor meio, o mais sábio, o mais perfeito, o mais curto de todos os caminhos, para vir a este mundo. E esse caminho melhor, o mais perfeito, o mais sábio e o mais curto, foi vir até nós por meio da Virgem Maria, encarnando-se em seu seio.

Cristo é A VIDA, e veio para nos dar vida. Nos dar a vida da graça, que é participação na vida infinita da Santíssima Trindade. Porque, no universo criado, há seres que têm graus diversos de vida. As plantas têm vida apenas vegetativa. Os animais têm vida com mobilidade e sensações. Os homens têm vida racional. Os anjos, seres puramente espirituais, têm vida mais elevada que a humana, pois que a sua vida angélica é vida puramente espiritual. Deus é a VIDA.

Deus livremente quis nos comunicar uma participação em sua Vida divina, isto é, elevar-nos a uma Vida mais alta que a vida angélica, vivendo Ele, em nossas almas, por meio da graça santificante. Essa participação na Vida divina se faz pela graça habitual, ou graça santificante, que recebemos no Batismo, instituído por Cristo. O Batismo nos perdoa o pecado original, nos faz membros da Igreja, herdeiros do céu, e filhos adotivos de Deus, participantes de sua Vida infinita. Pelo batismo, somos capazes de ser como Deus, e tendo méritos infinitos.

Assim como o ferro posto no fogo adquire qualidades do fogo -- luz e calor -- continuando a ser simples ferro, assim nós, pelo Batismo, adquirimos qualidades divinas, continuando a ser puramente humanos. Ora, essa vida divina que recebemos no Batismo, pela aplicação dos méritos infinitos da redenção de Cristo, na Cruz, nós só pudemos obtê-la, porque Maria Santíssima aceitou ser Mãe de Deus encarnado, Mãe da Vida. Portanto, só participamos da Vida divina por causa de Nossa Senhora, que foi o meio que Deus quis usar para vir ao mundo, para nos salvar. Maria é, pois, a causa instrumental de nossa vida mais alta e mais perfeita, que é a vida sobrenatural, que nos foi obtida por Cristo. Por isso, nós a chamamos de vida, na Salve Rainha, porque toda nossa vida sobrenatural, que nos foi dada por Cristo, chegou até nós pelo canal de Maria.

Assim como é o sol que nos permite ver, a luz de Deus, A Verdade, Cristo, sol de Deus, só chegou até nós por Maria. O olho humano foi feito para a luz, para o sol, mas não consegue contemplar diretamente o sol. A alma humana foi feita para ver a luz de Deus, para a Verdade, mas não nos é possível ver ou compreender Deus.

Por isso, a Idade Média inventou o vitral que permite ao olho humano contemplar o sol sem ser ferido por sua luz esplendorosa, e ver a luz do sol plena de cores.

Assim também, Deus quis vir até nós por meio do vitral que é a Virgem Maria, e nós que não podíamos ver a Deus, fomos capazes de vê-Lo, como um Menino, e Ele era "cheio de graça e de verdade"(Jo. I,14). E assim como a luz passa pelo vitral sem quebrá-lo, assim Deus nasceu de Maria sem que ela perdesse a virgindade. E do mesmo modo que a luz, a mais simples das criaturas, é dividida pelo prisma, e dele ganha beleza, pois que o prisma "explicita" as suas cores, assim Deus que é simplicidade absoluta, colocou todas as suas graças em Maria, que como prisma de Deus, nos reparte as suas graças. Daí Maria ser a Medianeira de todas as graças.

Doçura...

Maria é para todos os homens a doçura.

Chamamos de doce tudo o que nos agrada suavemente. Não só um alimento é doce ao paladar . Há músicas doces aos ouvidos. Há palavras doces ao coração. Há veludos doces ao tato, como há perfumes doces ao olfato. Há movimentos doces de uma gaivota no ar, e é possível existir um andar doce e calmo por alamedas em doces ladeiras. Doce é, sobretudo, a amizade fundamentada na verdade. (E como é amargo perder um amigo que Deus nos deu, afastado por um conselho imprudente e político). Doce é tudo o que é proporcionado aos sentidos. Doce é tudo o que é proporcionado a nós. E nada é tão proporcionado ao ser humano, qualquer seja ele, do que Maria, o ser puramente humano, o mais perfeito que possa existir, porque Cristo, embora homem, é também Deus infinito. Maria é a doçura da humanidade.

Face a Maria Santíssima não temos temor. Ela é nossa Mãe plena de doçura. Por isso São Luís de Montfort lembra que, se Jesus é nosso Redentor e nosso apoio, ela, por ser nossa mãe, será sempre nossa força.

"Vous êtes Vierge Mère,             ( Vós sois, ó Virgem Mãe

après Dieu mon suport.               depois de Deus, o meu apoio.

Je sais qu"íl est mon Père,           Eu se que Ele é meu Pai,

mais vous êtes montfort".             mas vós sois meu forte")

(São Luís de Montfort, canção "Je mets ma confiance"-- "Coloco minha confiança").

Esperança...


A Salve Rainha lembra ainda a Nossa Senhora, quando a invocamos, que ela é a nossa esperança. Isso nós dizemos a ela, porque sabemos que ela tudo alcança de Jesus, seu Filho e Deus onipotente. De Deus, que tanto ofendemos, por vezes, temos receio de não mais poder esperar senão castigos. Mas de Maria, nossa Mãe, cheia de misericórdia, esperamos que rogue por nós, evidentemente, não porque ela seja mais bondosa do que Deus, mas porque é natural que a mãe peça por filhos, ainda que maus. Não pediu ela pelos noivos de Caná: "Eles não têm mais vinho"(Jo. II, 3).

E quantas vezes já não temos mais vinho em nossas almas, e só a pedido de Maria, Cristo transmuda nossa água maldosa em vinho de boas obras!

Ela é nossa esperança que a ninguém falece. Por isso São Bernardo nos lembra que, quando tudo está perdido e o barco de nossa alma está prestes a soçobrar, levantemos os olhos, contemplemos Maria. Pois não há pecador que Ela não socorra.

Salve!

Este segundo "salve", encerrando a invocação inicial, é uma confirmação do primeiro "salve" e, ao mesmo tempo, uma exclamação de alegria pelos títulos de Maria Santíssima, que acabaram de ser lembrados, e que nos dão a confiança necessária, a nós pobres pecadores, de recorrer a Mãe tão bondosa quanto poderosa.

2- Apresentação de nossas necessidades espirituais

Finda a invocação, começa a exposição de nossas misérias à Mãe de Misericórdia.

Lembramos a Ela, em primeiro lugar, que somos "exilados filhos de Eva".

"A ti clamamos, exilados filhos de Eva".

Clamamos, não só pedimos. "Clamar" é gritar por um excesso de aflição e de dor. Clama quem está nos extremos da resistência a um mal, e que já não encontra, em si mesmo, as forças necessárias para resistir, e se salvar. Lembramos a Ela que somos "filhos de Eva", isto é, que somos maus, mas que herdamos a culpa original, que nos impele ao mal. Lembramos a Ela -- a Ela que foi o oposto de Eva -- que nos alcance o bem, quando nossa primitiva mãe terrena nos deu o pecado original. Lembramos a Ela que somos seres humanos como Ela, descendentes de Eva, e que, por isso, Ela é nossa Irmã. E Irmã privilegiada, que não herdou a culpa de Eva. Ela, Imaculada, concebida sem pecado, que tenha pena de seus irmãozinhos concebidos no pecado.

E prosseguimos, dizendo a Maria Santíssima:

"A ti suspiramos, gemendo e chorando, nesse vale de lágrimas".

Lembramos a Maria nossa penosa e miserável situação espiritual, dizendo-lhe que suspiramos pelo bem perdido, gememos pelos justos castigos que merecemos, choramos pela culpa nossa, -- culpa toda nossa, nossa máxima culpa -- "nesse vale de lágrimas".

Vale de lágrimas, porque todos os prazeres deste mundo são ilusórios, e todos os seus bens são passageiros, e toda a sua glória como a flor do campo. "Secou-se o feno, e caiu a flor" (Is. XL, 7). E nossa vida passa como uma sombra, como o pássaro, que, na noite, atravessa, um momento, a claridade da fogueira. Vale de ilusões, que queremos contemplar irisado por nossas lágrimas doloridas.

Vale de lágrimas, que a mentira da Modernidade quer transformar em Reino de Deus na terra, cultuando o Príncipe deste Mundo, isto é, o antigo e mentiroso Júpiter, deus do universo, e não a "Deus Pai Onipotente, Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis".

Visto, então, que Maria é tão poderosa e tão bondosa. Visto também que somos tão miseráveis e tão necessitados filhos dEla, nada mais lógico do que recorrer a Ela, dizendo-lhe a conclusão do raciocínio posto na oração.

3- Apresentação de nosso pedidos.

Essa apresentação é dividida em duas partes.

Primeiramente, rogamos que Nossa Senhora olhe para nós.

"Eia, pois, advogada nossa, esses vossos olhos misericordiosos a nós volvei".

Nós a chamamos de advogada nossa. E Ela de fato o é. Advogada significa chamada a ser aquela que fala por nós, que nos defende. Ela, por ser nossa Mãe misericordiosa, está sempre pronta a interceder a Deus por nós, para que nos perdoe. Foi o próprio Deus que a constituiu como nossa advogada, porque o Deus infinitamente misericordioso se compraz em nos fazer misericórdia, atendendo aos pedidos dEla.

Que Ela mesma veja, por si mesma, com seus próprios olhos bondosos, a nossa grande miséria e nossa situação moral terrível.

E, em seguida, lhe pedimos o fundamental, o essencial:

"E depois deste desterro, mostrai-nos Jesus, bendito fruto de vosso ventre".


Depois de nossa morte, depois da terrível hora de nossa morte, que Ela nos mostre Jesus.

"Mostrai-nos Jesus", isto é, que vejamos a Deus Nosso Senhor em sua glória, Ele que é o fruto bendito do seio virginal de Maria. Que contemplemos, enfim a Jesus, o mesmo Jesus manso e misericordioso para com os pecadores arrependidos, o mesmo Jesus que perdoou a Maria Madalena e ao bom ladrão, e não o Juiz inexoravelmente justo dos pecadores empedernidos.

4- Conclusão

"O clemente , ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria".

Essas três exclamações de amor foram acrescentadas, ao final da Salve Rainha, por São Bernardo, quando entrou na Catedral de Spira, ao pregar a Segunda Cruzada. Porque essa é a verdade histórica: os Santos pregavam Cruzadas e aprovavam as fogueiras inquisitoriais, porque faziam justiça e paz.

Ao pregar a segunda Cruzada em Spira, São Bernardo fez dezenas de milagres, numa só manhã, e, com eles e com sua palavra ardente arrastou a nobreza e o Imperador a se decidirem a partir para a Palestina, a combater os turcos maometanos.

Porque não há amor ao bem sem ódio ao mal. E quem ama, combate.

Como uma tocha ardente de fogo do amor à verdade e ao bem, São Bernardo havia pregado a Cruzada contra o Islam, clamando em Vézelay, citando o Profeta Jeremias:

"Maldito aquele que não ensangüentar a sua espada" (Jer. XLVIII, 10).

Depois, em Spira, tendo conseguido arrastar a nobreza e o Imperador à Cruzada, -- o que era mais do que mover montanhas -- São Bernardo, entrando na Catedral de Spira ao cântico da Salve Regina, com o coração ardendo em fogo de amor pela Rainha do Céu e da Terra, Ele exclamou, compondo os versos finais, que, desde então, foram acrescentados à essa oração sublime, ajoelhando-se São Bernardo a cada adjetivo que ele cantava à medida que percorria o corredor central da catedral, em direção ao altar-mor:

"Ó Clemens,

Ó pia,

ó dulcis

Maria".


Na catedral de Spira, três placas de bronze marcam os três lugares em que o Doutor Melífluo se ajoelhou, cantando essas três exclamações da glória de Maria.

Que Ela nos guarde a nós todos, a seu serviço, é o que rogo,

in Corde Jesu, semper,

Orlando Fedeli.