Ciência e Fé
A Psicanálise e a Cabala
PERGUNTA
Prezado prof. Orlando Fedeli :
Em primeiro lugar, é sempre um prazer ler as novidades desta página.Parabéns à V.Sa. pelo excelente trabalho realizado.
Gostaria de fazer algumas perguntas:1. O Sr. afirmou que a Psicanálise é uma falsa ciência; sendo uma derivação da gnose cabalística.Confesso que não entendi, por não saber o que é "gnose cabalística".Conheço a gnose , contra a qual os apóstolos e os padres da Igreja travaram árduo combate. Conheço relativamente bem a teoria freudiana e posso afirmar, que fui muito beneficiado por tratamento psicanalítico, asim como milhões de pessoas por todo o mundo. A Psicanálise, assim como toda a ciência , é totalmente materialista e naturalista, sendo que Freud era totalmente ateu e chamava as religiões de ilusões adequadas para crianças ignorantes. Toda a ciência - medicina inclusive- é assim. O Sr. poderia esclarecer porque considera a Psicanálise inadequada ou falsa?
2. Quanto ao problema dos judeus, que o Sr. afirma ser muito complexo, em Rom 11,26 está escrito que "Israel inteiro será salvo". Portanto, as promessas de Deus a Israel são eternas.Deus cuida pessoalmente - como uma mãe- do "problema judeu"; ou não ?
3. O Sr. fala do capítulo oitavo de Ezequiel como sendo uma prática gnóstica póst exílio , no tempo de Esdras; mais ou menos 450 AC.
Devo novamente discordar de V. Sa. O cap. VIII de Ezequiel refere-se às práticas de idolatria ,influenciada por povos vizinhos, antes do exílio. Ezequiel foi levado para o exílio na Babilônia, junto com o rei Joaquim, em 599 AC. O Templo foi destruído pelo exército caldeu em 587 AC, portanto 11 anos depois. Então, a visão do profeta refere-se às práticas abomináveis no Templo, ao tempo do rei Sedecias e antes da primeira destruição. Portanto, antes do exílio.
CordialmenteTadeu
RESPOSTA
Muito prezado Tadeu, Salve Maria!
Agradeço-lhe por seu apoio e elogio ao trabalho realizado em nosso site. Lembro-me bem de você, por você já ter me mandado outros emails.
Permita-me responder às suas perguntas em ordem inversa, isto é, começando pela última, que trata do que relata o Profeta Ezequiel , no capítulo VIII de sua profecia.
Como você mesmo constatou, Ezequiel explica a causa da queda de Jerusalém: o culto secreto prestado pelos sacredotes judeus, no templo, a ídolos egípcios. É claro que esse culto secreto foi anterior ao exílio, pois foi ele que causou a ira de Deus e a conseqüente tomada de Jerusalém por Nabucodonosor, e o posterior exílio de Babilônia.
Segundo Gerschom Scholem, após os judeus retornarem do Exílio, e depois de terem construído o Segundo Templo, é que teria se introduzido uma Gnose entre os judeus. E esta Gnose teria sido de origem caldaica.
Ora, o que relata o Profeta Ezequiel demonstra que já antes do Exílio havia um culto idolátrico secreto de ídolos egípcios no primeiro Templo. Essa idolatria egipcíaca no Primeiro Templo, evidentemente, supunha uma doutrina justificativa, e essa doutrina só poderia ser de caráter gnóstico. Penso, então, que houve uma Gnose secreta entre os judeus ainda antes do Exílio, e que foi essa Gnose egipcíaca que causou a queda da capital dos judeus.
Esclareci a questão e a confusão ?
De qualquer modo, o que é certo é que existiu uma Gnose secreta entre os judeus, na minha visão, mesmo antes do Exílio, enquanto Scholem afirma que a Gnose se introduziu entre os judeus só depois do Exilio de Babilônia.
Passo, agora, à sua segunda questão: se todo Israel se salvará.
De fato, em São Paulo está escrito:
"Porque eu não quero, irmãos, que vós ignoreis este mistério (para que não vos julgueis sábios dentro de vós mesmos): que uma parte de Israel caiu na cegueira até que tenha entrado a plenitude dos gentios, e assim todo Israel se salve, como está escrito. ( Rom XI, 25 - 26 O negrito é meu).
Esse texto não significa que absolutamente todos os judeus se salvarão. Assim também a expressão "plenitude dos gentios" não quer dizer que absolutamente todos os gentios se tornarão cristãos. A palavra Israel, assim como a expressão Plenitude dos gentios, tem valor genérico e não absoluto. Da mesma forma, quando dizemos : "O Brasil é um pais católico" não queremos afirmar que todos os brasileiros sejam católicos. Falamos do país como um todo, genericamente.
No futuro -- um futuro incerto -- o povo judeu se converterá ao cristianismo, conforme diz São Paulo, mas isso não quer dizer que absolutamente todos os indivíduos desse povo serão batizados.
Com relação à Psicanálise e à gnose judaica, tenho a lhe dizer que a Kabballlah nada mais é di que a Gnose judaica. Essa afirmação é repetida muitas vezes por Gerschom Scholem, um dos maiores, senão o maior, especialista nesse assunto.
Que a Kabbalah influenciou a doutrina freudiana parece certo, visto que Freud possuía o Zohar e se entusiamou por um comentário da obra do cabalista Chaim Vital feito por Por Joseph Bloch. David Bakan, em seu livro "Freud e la Tradizione Mistica Ebraica" (Edizioni di Comunità, Milano 1977) considera que são provas diretas da influência do misticismo cabalista em Freud, mas fornece ainda outros dados para que se constate a relação da Psicanálise com a Cabala.
Afirma David Bakan:
"Freud, conscientemente ou não, laicizou o misticismo hebraico, e a Psicanálise pode ser sensatamente considerada uma laicização do gênero" ( p. 46 da obra citada).
E mais:
"Acreditamos que Freud freqüentemente tenha escrito obscuramente, que tenha sido levado, consciente ou inconscientemente, a esconder as partes mais profundas do seu pensamento, e que estas partes mais profundas fossem cabalistas na fonte e no conteúdo"( p. 54) Bakan afirma que "O ensaio de Freud sobre Moisés é uma simbólica afirmação sabbataiana de liberdade contra as severas restrições do pensamento e a ação que foram a estratégia vital dos hebreus da Europa Oriental" (P. 125).
E a doutrina sabbataiana ( Do pseudo Messias Sabbatai Tzvi) era tipicamente cabalista, pois ele foi um dos seguidores da cabala de Isaac Luria de Safed (cfr. Gerschom Scholem, Sabbatai Sevi, the mystical Messiah, Princeton Univresity Press 1973).
Mais além, Bakan mostra como o conceito freudiano do "Id" lembra a doutrina do cabalista Abulafia: "Noutra passagem Freud alude ao "inconsciente, verdadeiro centro de nossa vida mental" num modo que recorda Abulafia, como "aquela parte de nós que é tanto mais próxima do divino da nossa pobre consciência"( P. 225).
A intrepretação sexual dos sonhos feita por Freud, segundo Bakan se assemelha ao que é dito no Tratdo Berakoth do Talmud ( cfr. Pp. 230 a 240).
Basta fazer uma comparação entre a distinção entre o Ein Sof, divindade abscôndita da Cabbala, e o Deus revelado na Escritura -- distinção tipicamente gnóstica-- com a distinção entre o id e o ego feita por Freud, para se ter claro o caráter gnóstico da doutrina freudiana.
Aliás, a Gnose se define como o conhecimento do incognoscível, enquanto a Psicanálise se apresenta como a ciência do incognoscível. O paralelo é patente, para não dizer a identidade, dos conceitos.
Ora, sendo a Gnose e a Cabala doutrinas completamente falsas, uma ciência que nelas se fundamente, ainda que apenas em parte, só pode ser errada. Daí o fracasso da Psicanálise em curar .
Quanto a essa questão do valor terapêutico da Psicanálise, peço que você leia o livro Why Freud was Wrong, de Richard Webster ( há uma tradução desse livro em português -- mal feita aliás, pois suprime parágrafos -- intitulada Por que Freud Errou Edição Record, Rio de Janeiro- São Paulo).
Nesta obra, você poderá encontrar afirmações interessantíssimas de Freud, citadas por Ferenczy, provando que Freud não acreditava na Psicanálise como terapia válida.
"Como prova e justificativa dessa desconfiança [para com a Psicanálise] lembro algumas declarações que Freud me fez. É óbvio que ele confiava em minha discrição. Disse que os pacientes não passavam de ralé. Só serviam para ajudar o analista a ganhar a vida e oferecer material para a teoria. É claro que não podemos ajudá-los. Isso é niilismo terapêutico. No entanto, atraímos os pacientes escondendo-lhes essas dúvidas e incentivando suas esperanças de ser curados" ( Richard Webster, Por que Freu Errou, Ed. Record, P. 322. A citação de Ferenczy é tirada de Against Therapy p. 122 e de Clinical Diary, p. 199).
Meu caro Tadeu, vejo que você tem gosto pelo estudo, e esta é uma razão a mais para me colocar à sua disposição
in Corde Jesu, semper,
Orlando Fedeli.