Religião-Filosofia-História
O Iluminismo - Trevas na época das luzes
Ronaldo Mota
Sumário
←Introdução
O século XVIII é normalmente apresentado como a época do triunfo da razão. Pegando ao acaso um desses livros de história geral e lendo o tópico Iluminismo, encontramos coisas do tipo: “Os escritores franceses do século XVIII provocaram uma verdadeira revolução intelectual na história do pensamento moderno. Suas idéias caracterizavam-se pela importância que davam à razão: rejeitavam as tradições e procuravam uma explicação racional para todas as coisas.”.[1] Isso não é, entretanto, mais uma simplificação – para não dizer distorção – de manuais de divulgação, mas um reflexo grosseiro do que os principais autores dessa época afirmavam. Voltaire, por exemplo, afirmou que antes de Bacon ninguém conheceu a filosofia experimental. Ao lembrar-se, porém, das grandes descobertas científicas que foram feitas antes de Francis Bacon, apressou-se a declarar:
“foi na época da mais estúpida barbárie que essas grandes mudanças foram feitas sobre a Terra: só o acaso produziu quase todas essas invenções e parece que até mesmo o que se chama acaso participou muito da descoberta da América;”.[2]
Em seu panfleto O que é o Iluminismo?, Emmanuel Kant escreveu:
“O iluminismo é a libertação do homem de sua culpável incapacidade. A incapacidade significa a impossibilidade de servir-se de sua inteligência sem o direcionamento de outro. (...) Sapere aude! Tenha o valor de servir-te de tua própria razão! Eis aqui o lema do iluminismo.”[3]
Sabendo disso, não seria muito difícil imaginar como se construiu, com o passar do tempo, a idéia de uma época da razão em oposição à outra de barbárie e de trevas. Como lembra Paolo Rossi, um importante historiador da ciência, basta “ler o Discurso preliminar à grande Enciclopédia dos iluministas ou também o início do Discurso sobre as ciências e sobre as artes de Jean-Jacques Rousseau para ficar ciente de como circulava com força, desde meados do século XVIII, a definição de Idade Média como época obscura, ou como um ‘retrocesso para a barbárie’”.[4]
O que há de verdade nessa visão iluminista?
Paolo Rossi, apesar de ser um relativista admirador dos modernos, não hesitou em declarar que:
“Hoje sabemos que o mito da Idade Média, como época de barbárie, era, justamente, um mito, construído pela cultura dos humanistas e pelos pais fundadores da modernidade.”.[5]
A afirmação de P. Rossi é importante, visto que vem de um dos maiores historiadores da ciência atualmente.[6] Contudo, ela diz respeito apenas à metade do problema. P. Rossi esqueceu, como veremos nesse artigo, que iluministas e companhia não criaram apenas o mito da Idade das Trevas, mas também o mito do Século das Luzes.
←I. Alguns mitos
Antes de analisarmos o Século das Luzes, é importante tratarmos de alguns mitos iluministas sobre a “ignorância” científica dos medievais.
É interessante notar que as críticas aos medievais oscilavam entre afirmações sutis e declarações grotescas. Chegou-se a dizer que na Idade Média não houve ciência; os homens daquela época não passavam de brutos e ignorantes. Depois, ao ficar evidente que afirmações como essas eram inverossímeis de mais, declarou-se que os medievais eram absolutamente submissos à autoridade dos antigos, e por isso seus conhecimentos científicos nunca ultrapassaram os dos gregos e romanos. Por fim, como se percebeu que era impossível afirmar que não houve desenvolvimento científico na Idade Média, passou-se a dizer que os medievais misturavam ciência e religião, acabando por obscurecer, com a teologia, o desenvolvimento da ciência.
Infelizmente, afirmações do tipo não são encontradas apenas em manuais escolares. O próprio P. Rossi, analisando o nascimento da ciência moderna, afirmou que: “o fato de se estabelecer com firmeza que a verdade das proposições não depende de modo algum da autoridade de quem as pronuncia e que não está ligada de forma nenhuma a uma ‘revelação ou iluminação’ qualquer acabou constituindo uma espécie de patrimônio ideal ao qual os europeus podem ainda hoje se referir como a um valor impreterível.”.[7] Ora, P. Rossi repete exatamente as duas últimas acusações que citamos. Em vista disso, para tornarmos mais didática uma crítica desses mitos, faremos um pequeno índice dessas acusações:
1. Na Idade Média não havia ciência.
3. A ciência medieval baseava-se na autoridade.
4. Na Idade Média misturava-se confusamente teologia e ciência.
Quanto à primeira acusação, é evidente que alguém que lhe de crédito não possui nem sequer um conhecimento rudimentar de história. Neste caso, basta que a pessoa folheie qualquer manual de história da ciência, ainda que bem rapidamente, para que seu problema seja sanado. Quanto às demais acusações, separamos alguns textos do século XIII que serão, pela sua clareza e exatidão, suficientes para refutá-las.
Sobre a segunda acusação, basta lermos o que Sto. Alberto Magno (1193-1280) escreveu em um escrito sobre os meteoros, para constatarmos que ela baseia-se pouco na razão e muito na imaginação. De acordo com Sto. Alberto: “A prova pelos sentidos [isto é, a indução] é a mais segura no estudo da filosofia natural, e situa-se acima da teoria sem observação (Meteoros 3, tr. 1, c. 21).”.[9] Ou ainda, em sua obra De Animalibus, Sto. Alberto afirmou: “A experiência, através de repetidas observações, é a melhor mestra no estudo da natureza (Sobre os animais 1. c. 19).”.[10]
É difícil tornar mais evidente o erro da acusação. Porém, vale a pena lembrar que ela vai contra o simples fato de que os medievais sempre estudaram, em lógica, a indução, que nada mais é do que o processo de conhecimento pelo qual nós passamos, através da consideração suficiente de diversos dados particulares (individuais), que atingimos pela experiência sensível, ao conceito, isto é, ao universal.[11]
Quanto à terceira acusação, Sto. Alberto Magno adverte: “Compete à ciência natural não aceitar simplesmente o que foi narrado. Cabe-lhe, muito mais, a serviço da filosofia natural, buscar as causas das coisas naturais (Sobre os minerais 2, tr. 2, c. 1).”.[12] O absurdo da acusação é patente. Dispensa explicações.
Sto. Alberto fez estas afirmações não só porque sabia perfeitamente o que é o conhecimento científico, mas também porque buscava conhecer cientificamente a natureza. A. C. Crombie, estudando a ciência na Idade Média notou que: “As seções zoológicas e botânicas das enciclopédias do século XIII de Bartolomeus Anglicus, Tomás de Cantimpré e Vicente de Beauvais não careciam por completo de observações, porém, neste ponto não podem comparar-se com as digressões nas quais Alberto Magno descrevia suas próprias investigações pessoais quando escrevia os comentários às obras de Aristóteles. (...) O De Vegetabilibus et Plantis (escrito por volta de 1250) era um comentário ao pseudo-aristotélico De Plantis, que traduzido por Alfredo de Sareshel, foi a fonte principal de teoria botânica até o século XVI.”.[13] Sto. Alberto, inclusive, contrapôs-se a Aristóteles, como no caso em que o Filósofo confundia a crisálida com o ovo do inseto.[14] Ou ainda, no caso da alimentação das enguias, as quais Aristóteles afirmava que se alimentavam de musgo, enquanto Sto. Alberto declarou que elas alimentavam-se de animais, pois ele mesmo as tinha visto comendo animais.[15] Como avaliou Etienne Gilson:
“Se ele [Sto. Alberto] escreve tratados de omni re scibili [toda coisa conhecível], e mesmo um manual do perfeito jardineiro, é porque, segundo diz, isso é agradável e útil: Haec enim scire non solum delectabile est studenti naturam rerum cognoscere, quinimo est utile ad vitam et civitatum permanentiam [Pois saber estas coisas não só é agradável para aquele que se dedica a conhecer a natureza das coisas, como é especialmente útil para vida e permanência das cidades.]. Foi essa avidez heróica de todo o conhecer acessível ao homem que a Igreja quis glorificar nesse santo, ao canonizá-lo. Por ao alcance dos latinos toda a física, a metafísica e a matemática, isto é, toda a ciência acumulada até então pelos gregos e seus alunos árabes e judeus, era essa a intenção desse extraordinário enciclopedista: nostra intentio est omnes dictas partes facere Latinis intelligibiles.”.[16]
Apesar do infeliz uso do termo ‘enciclopedista’ – termo que pelo seu sentido histórico aproxima Sto. Alberto Magno dos pobres iluministas do séc. XVIII – Gilson lembrou muitos pontos importantes contra os mitos. Além disso, ao lembrar que os medievais estudavam a natureza e consultavam os autores antigos, árabes e judeus, revela um princípio fundamental que era adotado pelos homens dessa época, isto é:
“Não atentes a quem disse, mas o que é dito com razão e isto, confia-o à memória.”.[17]
Esse princípio, que nesse caso é também um conselho, foi dado por Sto. Tomás de Aquino (1224/25 – 1274) a um jovem dominicano que o indagava sobre o modo de estudar. Esse é um princípio sábio e racional que não condiz de nenhum modo com o mito do obscurantismo medieval. Além do mais, e antes de tudo, é preciso enfatizar que esse princípio pressupõe outro sem o qual todo conhecimento humano é destruído, a saber, o fato de que a verdade não depende do sujeito, mas é algo objetivo cuja realidade é apenas conhecida pelo sujeito e jamais criada por ele. Portanto, essa frase tão límpida desse frade dominicano condena claramente o subjetivismo. Para o subjetivismo o fundamento do conhecimento é a idéia do sujeito, enquanto a realidade e a razão são anuladas. Para Sto. Tomás, pelo contrário, o fundamento do conhecimento humano é a capacidade que o homem tem de adequar seu intelecto aos seres. As verdades que os antigos conheceram, apesar dos séculos que os separavam de Sto. Alberto, não dependiam da subjetividade deles, mas sim da realidade, por isso eram conhecidas e aceitas também pelos medievais. Exatamente por isso, Sto. Alberto podia afirmar:
“Aceitamos dos antigos aquilo que eles afirmaram corretamente (Livro das causas 1, tr. 1, c. 1).”.[18]
Passemos à última acusação. Vejamos o seguinte texto: “Tome-se pois por princípio que, em questões de fé e de bons costumes, Agostinho deve ser preferido aos filósofos, caso haja idéias diferentes entre eles. Mas, em se tratando de medicina, tenho mais confiança em Galeno ou Hipócrates que em Agostinho; e se ele fala sobre ciências naturais, tomo em maior consideração a Aristóteles ou a outro especialista no assunto (II Sent. d. 13, a. 2).”.[19] Uma coisa é evidente: há uma distinção bem clara entre Teologia e ciências em geral, incluído a Filosofia. Os medievais compreendiam perfeitamente que cada ciência possui o seu objeto específico, e mesmo quando os objetos identificam-se, elas distinguem-se formalmente, isto é, diferem segundo a determinação por meio da qual elas atingem o objeto. Por exemplo, o homem pode ser estudado tanto pela biologia quanto pela sociologia, mas o biólogo estuda o homem no funcionamento orgânico de seu corpo, enquanto a sociologia estuda o homem enquanto ser social. O homem é o mesmo objeto material para essas duas ciências, mas cada uma o estuda sob aspectos diferentes. Assim, Teologia (revelada) e Filosofia atingem seu objeto cada uma ao seu modo: a Filosofia atinge seu objeto pela luz da razão, enquanto a Teologia (revelada) atinge seu objeto pela luz da autoridade de Deus que se revela. Como afirma J. Maritain: “os princípios da Filosofia são independentes da Teologia, pois os princípios da Filosofia são as verdades primeiras cuja evidência se impõe por si mesma à inteligência, enquanto os princípios da Teologia são as verdades reveladas por Deus. Os princípios da Filosofia bastam-se a si mesmos e não derivam dos princípios da Teologia.”.[20]
Evidentemente, disso não decorre uma separação entre fé e razão. Basta lermos a primeira parte da Suma Contra os Gentios (os capítulos de III a VIII e o capítulo VII de modo especial) para vermos que Sto. Tomás demonstra magistralmente que não há contradição entre verdades de fé e verdades acessíveis à razão. Com isso, saberemos também que os medievais compreendiam não apenas a distinção, mas também a união harmônica entre fé e razão, entre Teologia e Filosofia.
Poderíamos citar ainda mais textos; poderíamos, com relação à ciência, citar autores como Roger Bacon (1215 – 1294), Roberto Grosseteste (1168 – 1253) entre outros. Mas, neste caso, bastam-nos Sto. Alberto e Sto. Tomás, que por terem sido elevados a mais alta dignidade pela Igreja, mostram que a Idade Média não foi as trevas do conhecimento, mas pelo contrário, foi uma época onde buscava-se ardentemente conhecer; foi uma época em que se soube valorizar o conhecimento, época em que se deu a alcunha de Magno a um profundo conhecedor e mais do que amigo, amante da Sabedoria.
←II - Os Fundamentos do Iluminismo
Passemos agora ao Iluminismo.
Quando estudamos o iluminismo francês, ficamos impressionados com a influência de autores ingleses sobre os franceses. Francis Bacon, David Hume, J. Berkeley, John Locke e Isaac Newton são algumas das figuras que possuem maior destaque na literatura francesa do século XVIII, literatura que é, em grande parte, divulgação das doutrinas desses pensadores ingleses. Um desses ingleses, John Locke (1632 – 1704), é especialmente importante. Sobre ele Paul Hazard nos diz o seguinte:
“Quando chegamos a John Locke ficamos varados de espanto. Com efeito, à vista a sua realeza não tem rival nem suporta a mínima rebelião. Em 1690, o seu Essay on human understading propôs uma nova orientação do pensamento: este Ensaio mantem-se, até Kant, como livro de cabeceira da filosofia. A frase de Helvétius ‘Analogia entre minhas opiniões e as de Locke’, no seu livro De l’homme, corresponde à opinião da grande maioria; podemos contar pelos dedos aqueles que não leram, praticaram e admiraram, ao passo que a multidão dos seus discípulos é inumerável. Não sei se alguma vez terá existido um manejador de idéias que, mais manifestadamente que ele, tenha moldado o século em que viveu.”.[21]
Não por acaso ele é considerado o pai do liberalismo político. A sua influência é profunda, não só sobre o pensamento político, mas de modo especial sobre pensamento filosófico. Ernst Cassirer afirma que: “A autoridade de Locke em todas as questões de psicologia e teoria do conhecimento na primeira metade do século XVIII é pouco menos que indiscutível. Voltaire o coloca acima de Platão e D’Alembert declara em sua introdução a Enciclopédia que ele é o criador da filosofia científica como Newton foi o da física científica.”.[22] De fato, em Cartas inglesas, Voltaire inicia a 13ª. Carta do seguinte modo:
“Talvez nunca tenha existido um espírito mais sábio, mais metódico, um lógico mais exato do que o Sr. Locke;”.[23]
Portanto, é natural que, para se conhecer mais profundamente o pensamento iluminista, seja importante conhecer a doutrina de John Locke. Contudo, quando se chega a Locke, chega-se também a um dos problemas mais importantes da Filosofia. De acordo com Jacques Maritain, Hobbes e Locke são representantes do nominalismo no século XVII.[24] E Michele F. Sciacca afirma que: “Locke faz seu o nominalismo de Ockham.”.[25] Ora, analisando-se o terceiro livro do Ensaio sobre o conhecimento humano verifica-se que “Locke professa abertamente o nominalismo.”.[26] Sendo assim, tendo em vista a importância do pensamento de Locke para o século XVIII, tanto em psicologia quanto em teoria do conhecimento, saber que ele foi nominalista leva-nos, por uma questão de clareza na exposição, a explicar sucintamente o que é o nominalismo, para que possamos avaliar corretamente o pensamento de Locke e o Iluminismo.
←III - O Nominalismo
O nominalismo é uma pseudo-solução para o problema dos universais. Segundo Aristóteles: “Há coisas universais e coisas particulares, e denomino universal isso cuja natureza é a de ser afirmada de vários sujeitos, e de particular o que não pode tal, por exemplo, homem é um termo universal, e Cálias um termo singular.”.[27] Ou seja, existem indivíduos e universais, sendo que esses últimos podem ser afirmados de vários indivíduos. Por exemplo: existe o indivíduo Lulu, o cachorrinho de minha vizinha, mas existe também ‘cachorro’, que no meu intelecto é um conceito universal, embora exista em Lulu, em Rex e em qualquer outro cão. É evidente que todos nós utilizamos o tempo todo termos universais e particulares. Todavia, passando um pouco além dessa evidência, surge uma dificuldade. Como afirmam Aristóteles e os tomistas: tudo que é real é individual. Portanto, o universal pelo seu caráter de generalidade não parece corresponder a nada de real. Neste sentido é que surge a famosa pergunta feita por Porfírio no Isagogo: os universais são realidades em si mesmas, ou apenas simples concepções do intelecto? Simplificando: quando dizemos ‘homem’ (universal), isso que dissemos existe realmente ou apenas no meu pensamento?
←A – Solução
Para compreendermos melhor o nominalismo e suas conseqüências, é importante expormos rapidamente a solução da dificuldade apresentada acima.
A resposta a essa questão de Porfírio não poderia ser mais evidente. O que dissemos (‘homem’) existe realmente, porém, individualizado. Como explica Joseph Kleutgen S.J: “L’universel est défini par Aristote, et avec raison, tantôt comme l’un qui peut être énoncé de beaucoup, tantôt comme l’un qui peut exister en beaucoup d’individus. (...) Dans la première definition, Aristote parle, par conséquent, de l’universel logique, tandis que, dans la seconde, il a en vue l’universel métaphysique. Or il est évident que, d’après cette définition, l’universel n’existe pas seulemnt dans nos représentations, mais encore dans les choses.”.[28][O universal é definido por Aristóteles, e com razão, tanto como algo que pode ser enunciado de muitos, como algo que pode existir em muitos indivíduos. (...) Na primeira definição, Aristóteles fala, por conseqüência, do universal lógico, ao passo que na segunda, ele tem em vista o universal metafísico. Ora, é evidente que, segundo esta definição, o universal não existe somente nas nossas representações, mas também nas coisas]. Portanto, o universal ‘homem’ que existe em nosso intelecto, é o mesmo que existe em Pedro, José ou Francisco. Contudo, em Pedro ele existe com as determinações particulares de Pedro, as quais o individualizam.
Esse fato torna-se mais evidente quando consideramos a verdade de nossas afirmações. Uma proposição é verdadeira quando diz o que a coisa é. Por exemplo, pego algo e digo: isto é um lápis. A minha afirmação é verdadeira, obviamente, se o objeto que estou segurando for realmente um lápis. Se digo ‘isto é um lápis.’, enquanto considero uma galinha que seguro entre as mãos, certamente estou louco ou mentindo. E não adianta tentar escrever com a galinha ou almoçar o lápis, pois isso só confirmaria minha loucura. Para que eu não passe por lunático ou por mentiroso, devo saber que, quando afirmo ‘é’, expresso uma identidade; aquilo que existe em meu intelecto de modo imaterial (universal) é o que está individualizado pela matéria no objeto. Por exemplo, consideremos o termo universal ‘homem’. Se afirmo ‘Pedro é homem.’, indico que fora de mim existe ‘homem’. Isso é evidente. Se negássemos essa evidência, e disséssemos que esse universal (‘homem’) não existe realmente em Pedro, nossa primeira afirmação seria mentirosa ou louca, visto que atribuímos existência a algo que só existiria em nosso intelecto. Desse modo, nós jamais poderíamos dizer ‘é’, chegando assim à negação do conhecimento humano. Ora, como podemos perceber, isso é um absurdo. É preciso deixar claro que quando digo ‘é’, indico algo real, existente em ato. Logo, os universais existem no intelecto e nas coisas; no intelecto existem sem as determinações particulares da matéria, nas coisas são individualizados por elas.
←B – Pseudo-solução nominalista
Para os nominalistas, entretanto, o universal não passa de um nome. Os universais seriam apenas termos inventados pelo nosso intelecto para abarcar um grupo de indivíduos. Para Guilherme de Ockham, o pai do nominalismo moderno: “... o único real é o particular, ou, as únicas substâncias são as coisas individuais e suas propriedades. O universal existe na alma do sujeito cognoscitivo, e somente nela. Teremos de nos perguntar em que medida podemos atribuir-lhe uma existência no pensamento, mas deve-se colocar, de fato, que não há nenhuma espécie de existência fora do pensamento: omnis res positiva extra animam eo ipso est singularis.”[29] Poderíamos afirmar que as “idéias gerais são palavras arbitrariamente escolhidas para designar as coisas”[30], mas não passam disso.
Certamente, a muitos parecerá que tais questões filosóficas, muito abstratas e difíceis, têm pouca importância para nossa vida prática. Ledo engano. Os princípios que surgem desses problemas são os fundamentos de uma visão de mundo. Ora, mudando-se a visão de mundo dos homens, muda-se também a vida dos homens.
←C – As Conseqüências
O nominalismo pode nos levar a conseqüências bem graves. Tomemos, para facilitar a explicação, um princípio qualquer das ciências naturais. Por exemplo: todo corpo tende a permanecer parado ou em movimento a não ser que receba alguma força. Este é – simplificando – o famoso princípio da inércia de Isaac Newton. Consideremos essa afirmação. Notemos, por exemplo, os termos ‘corpo’ e ‘força’. Evidentemente, estes são termos universais. Sendo assim, uma questão se impõe: se eles só existem no intelecto e não na realidade, como esse princípio poderia ser uma explicação do mundo? Ele versaria apenas sobre idéias criadas pelo sujeito e não sobre as coisas do mundo.
Com efeito, para Ockham e os nominalistas, “os gêneros e espécies não são nada fora do pensamento.”.[31] Ora, se não há na realidade algo que é comum a diversos indivíduos, ou seja, o universal, os temos universais não corresponderiam a nada real. O homem permaneceria preso em sua subjetividade e não conheceria o mundo.
Podemos notar, deste modo, que o nominalismo nos abre um caminho lógico tanto para o subjetivismo quanto para o idealismo. É verdade que Ockham afirmava a existência dos indivíduos externos ao ‘eu’, declarando, entretanto, que a “única realidade que corresponde aos universais é, pois, a dos indivíduos.”.[32] Sendo assim, Ockham defende a existência de indivíduos, mas identificando-os com os universais. Eis aí um dos grandes equívocos do nominalismo. Para Ockham, então, nosso intelecto teria a função de relacionar as imagens dos indivíduos percebidos pelos sentidos, ou melhor, os objetos de nossa inteligência não seriam os universais, mas os particulares. Ora, isso é confundir percepção sensível e imaginação – coisas puramente materiais –com conhecimento intelectual![33] Deste modo, vemos como o nominalismo também pode levar ao materialismo, negado a espiritualidade da alma e fazendo do homem um ser puramente material. Exatamente por isso, ao estudar o nominalismo chega-se à conclusão de que essa “théorie sur l’origine des idées ressemble beaucoup au matérialisme des philosophes grecs.” [essa teoria a respeito da origem das idéias se assemelha muito ao materialismo dos filósofos gregos].[34]
Poderíamos, assim, identificar algumas conseqüências mais imediatas do nominalismo:
A) As idéias, isto é, os universais, seriam invenções do intelecto (subjetivismo).
B) O idealismo.
D) O ceticismo.
É certo que o idealismo, negando o conhecimento do mundo, já poderia ser tomado por pai do ceticismo. Contudo, embora o nominalismo conduza logicamente ao idealismo, não é uma afirmação explicita do mesmo, sendo também suscetível de um desenvolvimento materialista. Todavia, como o que nos interessa nesse artigo são os fundamentos do iluminismo, que é tido como racionalista, cientificista e materialista, importa-nos saber como o materialismo leva ao ceticismo.
Para compreendermos bem como o materialismo leva ao ceticismo, é importante que saibamos o que é o conhecimento científico. Podemos definir ciência como: “o conhecimento certo das coisas pelas suas causas.”[36] Vejamos um caso concreto. Vendo um corpo que em um determinado momento estava em repouso e depois se encontra em movimento, posso concluir que ele recebeu uma força para executar esse movimento, pois do contrário ele permaneceria imóvel. Portanto, posso afirmar que o movimento ocorre por causa de uma força e isso não poderia ser de outra maneira, sendo necessário que esse corpo para se mover tenha recebido uma força. Quando eu raciocino dessa forma, conhecendo e explicando o movimento pela sua causa e verificando a necessidade desse fato, eu conheço cientificamente o movimento. Eu conheço, como Newton, a lei da inércia. Essa lei serve para todo corpo, independente de eu ter contato experimental ou não com ele; basta ser corpo para estar submetido a essa lei.
Agora vejamos. Todo meu raciocínio, toda minha explicação e mesmo a própria definição da lei física em questão, são formados por universais (‘corpo’, ‘força’, ‘movimento’ etc.). Ora, como para os nominalistas os universais são apenas sinais que fazem, no discurso, às vezes dos indivíduos que percebemos pelos sentidos, essa relação universal de causa e efeito, que estabeleço na lei física, não existe realmente. Essa relação foi perceptível sensivelmente nas experiências que tive, mas só nelas, pois eu só percebo indivíduos, e por isso não posso nunca afirmar que o que aconteceu nessa experiência acontecerá com outros indivíduos. Como estes indivíduos não possuem natureza comum, ou seja, como não há universal existente no indivíduo, a relação de causa e efeito é uma verificação experimental, mas, cessada a experiência, essa relação não pode ser atribuída a outros indivíduos.[37]
Como nos lembra Gilson, analisando a doutrina de Nicolau de Autrecourt, discípulo de Ockham: “Uma vez terminada a constatação experimental, resta a simples probabilidade de que os mesmos efeitos se reproduzirão se as mesmas condições forem de novo dadas.”.[38] Para Nicolau: “A proposição ‘aproximo o fogo da palha e não há nenhum obstáculo, logo a palha pegará fogo’, não é evidente: é apenas uma probabilidade baseada na experiência.”.[39] A ciência, portanto, apresenta-se como uma mera descrição e enumeração de eventos individuais particulares, mas não como conhecimento das coisas pelas causas.
É certo, portanto, que essa confusão nominalista entre sensibilidade e conhecimento intelectual, negando o conhecimento intelectual e reduzindo o homem a um simples animal provido apenas de experiência sensível, conduz ao materialismo e ao ceticismo.
Alguém, diante de nossa exposição tão sucinta e esquemática, poderia ter dificuldade para compreender como um mesmo princípio poderia levar a doutrinas opostas como idealismo e materialismo. Erwin Panofsky, analisando essa questão, faz um comentário que poderia ajudar-nos na compreensão do problema. Segundo ele:
“manifesta-se aí novamente o eterno problema do empirismo: já que a qualidade do ‘real’ só se aplica ao âmbito do que pode ser apreendido pelas notitia intuitiva, isto é, às coisas individuais diretamente percebidas pelos sentidos e aos estados e processos psíquicos específicos (alegria, tristeza, querer, etc.), que se conhece pela experiência interior, então tudo o que é real, a saber, o mundo dos objetos físicos e o mundo dos objetos psíquicos, jamais poderá ser racional, ao passo que tudo o que é racional, a saber, os conceitos que se extraem desses dois âmbitos, através da notitia abstractiva, jamais poderá ser real. É por isso que todas as questões metafísicas e teológicas – inclusive a existência de Deus, a imortalidade da alma e, pelo menos em um caso (Nicolau de Autrecourt), mesmo o problema de causalidade – só podem ser discutidas com base no conceito de probabilidade.”.[40]
“manifesta-se aí novamente o eterno problema do empirismo: já que a qualidade do ‘real’ só se aplica ao âmbito do que pode ser apreendido pelas notitia intuitiva, isto é, às coisas individuais diretamente percebidas pelos sentidos e aos estados e processos psíquicos específicos (alegria, tristeza, querer, etc.), que se conhece pela experiência interior, então tudo o que é real, a saber, o mundo dos objetos físicos e o mundo dos objetos psíquicos, jamais poderá ser racional, ao passo que tudo o que é racional, a saber, os conceitos que se extraem desses dois âmbitos, através da notitia abstractiva, jamais poderá ser real. É por isso que todas as questões metafísicas e teológicas – inclusive a existência de Deus, a imortalidade da alma e, pelo menos em um caso (Nicolau de Autrecourt), mesmo o problema de causalidade – só podem ser discutidas com base no conceito de probabilidade.”.[40]
O nominalismo estabelece uma separação absurda entre o ‘eu’ com suas idéias e o mundo externo dos indivíduos. Diante de tal problema, diferentes pessoas, de caracteres diferentes e graus de compreensões distintos, poderiam optar pelo mundo do ‘eu’ ou pelo mundo dos indivíduos. Num caso seria idealista, no outro materialista. Mas em ambos casos seria cética.
←IV – Iluminismo e Ceticismo
Como havíamos visto acima, para compreendermos o que foi a filosofia iluminista é necessário conhecermos John Locke. Basta, para lembrarmos sua importância, citar as palavras de seu discípulo Pierre Coste. Segundo ele, o Ensaio sobre o entendimento humano é “a obra prima dum dos mais belos gênios que a Inglaterra produziu no último século. Esgotaram-se quatro edições em inglês sob vistas do autor, no espaço de dez ou onze anos; e a tradução francesa que publiquei em 1700, fê-lo conhecer na Holanda, França, Itália, Alemanha, pelo que tem sido e é ainda tão estimado em todos estes países como na Inglaterra, onde nunca deixam de admirar a extensão, a profundidade, a justeza e a nitidez que nele reinam do princípio ao fim. Para cúmulo da glória, adotado de qualquer modo em Oxford e Cambridge, é aí lido e explicado aos jovens como o livro mais próprio para lhes formar o espírito, para regular e estender os seus conhecimentos; de modo que Locke conserva agora o lugar de Aristóteles e dos seus mais célebres comentadores, nestas famosas universidades.”.[41]
Esse autor que formou os espíritos dos homens de letras do século XVIII, como empirista que era, foi nominalista. Como nos lembra J. Thonnard, Locke estudou em Oxford e ali, “tomado de desgosto do método formalista do ensino, impregnou-se do espírito do nominalismo de Ockham que ali reinava.”.[42] Realmente, analisando o que Locke defendeu no Ensaio, chegamos a essa conclusão. No capítulo I do livro II do Ensaio, onde Locke trata das idéias, podemos ler:
“Primeiro, nossos sentidos, familiarizados com os objetos sensíveis particulares, levam para a mente várias e distintas percepções das coisas, segundo os vários meios pelos quais aqueles objetos os impressionaram. Recebemos, assim, as idéias de amarelo, branco, quente, frio, mole, duro, amargo, doce e todas as idéias que denominamos de qualidades sensíveis. Quando digo que os sentidos levam para mente, entendo com isso que eles retiram dos objetos externos para a mente o que lhes produziu estas percepções.”.[43]
Do texto podemos concluir que:
1. Nós não abstraímos idéias, mas às recebemos.
Ora, nós não recebemos idéias dos sentidos, mas imagens. Os cinco sentidos são materiais e na percepção, como é evidente, recebem espécies materiais, sensíveis. Evidentemente, Locke comete o mesmo erro nominalista e confunde intelecto com sensação. Essa confusão levará Locke a defender o mesmo erro nominalista e empirista, ou seja, afirmar que não podemos ultrapassar nossas percepções sensíveis, ao que equivale negar o conhecimento.
“Visto que nossos sentidos não são suficientemente agudos para perceber até os menores detalhes dos corpos e obter-nos uma representação de seus efeitos mecânicos, temos que nos contentar em permanecer na dúvida sobre suas qualidades e modos de atuar, sem nunca ir mais além do que nos revelam nossos diversos experimentos. Jamais poderemos estar seguros de que estes experimentos dêem, ao se repetir em outras circunstâncias, absolutamente o mesmo resultado: eis aí porque não podemos chegar nunca a um conhecimento seguro das verdades gerais sobre os corpos da natureza e porque nossa razão não pode levar-nos nunca muito mais além do que nos revelam os fatos particulares mesmos.”.[45]
Por isso, afirmará com razão E. Cassirer:
“Una verdadera ciencia del mundo de la naturaleza y de los cuerpos, es imposible; lo único a que puede aspirar este conocimiento es a una serie de conjecturas más o menos verosímiles, que pueden ser echadas por tierra en qualquier momento, a la vista de un nuevo hecho.”.[46]
E afirma M. Sciacca:
O ceticismo, portanto, será consequência lógica do empirismo.
J. Kleütgen nota que “de tout temps on a reproché au nominalisme de rendre incertaine la vérité de nos connaissance et même de détruire toute science en tant que, comme spéculative, elle est distincte de l’expérience.” [em todos os tempos se tem acusado o nominalismo de tornar incerta a verdade de nosso conhecimento e memso de destruir toda a ciência visto que, como especulativa, ela é distinta da experiência.].[48] Ora, é exatamente isso que E. Cassirer conclui ao estudar Locke. Como afirma: “Si examinamos a fondo la filosofia de Locke y la reducimos a sus premissas últimas, vemos que encierra un elemento de escepticismo. La meta final que Locke señala al conocimiento no pode alcanzarse por los medios que él le asigna.”.[49]
Chegamos, assim, a uma conseqüência funesta do empirismo, isto é, à negação do conhecimento. O homem não mais conhece o mundo. É verdade que os empiristas, assim como os nominalistas, buscaram contornar essa conseqüência trágica de seus princípios, porém, ela é inevitável. Como observou E. Cassirer, ao considerar o empirismo inglês: “El empirismo matemático se encuentra aquí en el umbral del empirismo escéptico e el paso de Newton a Hume es inevitable. Ambas concepciones no están separadas más que por una delgada pared que el menor soplo puede derribar.”.[50]
Bastaria isso para notarmos as trevas nas quais estava submerso o dito Século das Luzes. Esse século, que foi divulgador e sistematizador dos princípios modernos, preparando o triunfo da mentalidade moderna, teve como fruto de seus princípios a negação do intelecto, a negação da verdade e da própria razão que afirmava defender. O Século das Luzes recusou a luz do intelecto e mergulhou os homens nas trevas do ceticismo. O falso século das luzes trouxe escondido na arrebatadora e otimista bandeira do racionalismo, a deprimente e pessimista negação da razão, levando o Ocidente ao agnosticismo e ao idealismo.
Foi com razão, portanto, que Karl Popper considerando o racionalismo afirmou:
“Seja, como for, poderemos descrevê-lo como uma irracional fé na razão.”.[51]
“Seja, como for, poderemos descrevê-lo como uma irracional fé na razão.”.[51]
←A) Origens remotas da Modernidade
Como vimos acima, o Iluminismo, por ser nominalista, leva ao ceticismo. Contudo, o nominalismo tem como conseqüência não só o ceticismo, mas muitas outras doutrinas tipicamente modernas. Dentre essas doutrinas, está a separação entre fé e razão, que leva à separação entre filosofia e teologia, terminado por criar duas tendências de pensamento, uma baseada numa fé irracional e outra racionalista.
Em sua obra A Filosofia na Idade Média, Gilson deixa claro que no século XIII sempre se acreditou e se buscou uma união entre fé e razão.[52] Porém, a despeito dos ensinamentos dos grandes mestres do século XIII, Sto. Tomás, Sto. Boaventura, Sto. Alberto Magno etc, o século XIV buscou exatamente o contrário:
“De fato, de um lado, Ockham restringe, mais ainda do que Duns Scot o fizera, o domínio da demonstração filosófica e, pelas próprias noções que se faz de Deus e do conhecimento, acentua a separação que já se anunciava entre a filosofia e a teologia;”[53]
E. Panofsky, ao analisar o declínio do gótico e suas causas filosóficas chega à mesma conclusão, notando de modo mais explícito que esse processo inicia-se com uma diminuição do valor da razão. Afirma-nos E. Panofsky que:
“Verifica-se que a confiança na razão, que tudo une, e que triunfou em Tomás de Aquino, começa lentamente a declinar.”.[54]
“Verifica-se que a confiança na razão, que tudo une, e que triunfou em Tomás de Aquino, começa lentamente a declinar.”.[54]
Com a negação do conhecimento, o idealismo se resolvia em um misticismo irracionalista, enquanto a corrente empirista fazia uma pseudo-defesa da razão. [55] Essa oposição, contudo, não podia ser absoluta, pois na realidade se anulava no fundamento comum às duas correntes. Foi exatamente isso que Panofsky concluiu ao analisar essas duas correntes. Segundo ele:
“O denominador comum dessas novas correntes chama-se evidentemente subjetivismo – subjetivismo estético no caso do poeta e do humanista, subjetivismo religioso no caso do místico e subjetivismo epistemológico no caso do nominalista. No fundo, os dois extremos – mística e nominalismo – Não passam, em certo sentido, dos dois lados de uma mesma moeda. Tanto a mística como o nominalismo traçam linhas divisórias muito nítidas entre fé e razão.”.[56]
“O denominador comum dessas novas correntes chama-se evidentemente subjetivismo – subjetivismo estético no caso do poeta e do humanista, subjetivismo religioso no caso do místico e subjetivismo epistemológico no caso do nominalista. No fundo, os dois extremos – mística e nominalismo – Não passam, em certo sentido, dos dois lados de uma mesma moeda. Tanto a mística como o nominalismo traçam linhas divisórias muito nítidas entre fé e razão.”.[56]
Apesar de considerar o nominalismo apenas pelo seu desenvolvimento racionalista,[57] E. Panofsky identifica o fundamento comum às duas correntes, isto é, o subjetivismo. Ora, foi exatamente o subjetivismo a nota fundamental do Iluminismo. Foi partindo desse princípio que o Iluminismo gerou, como veremos, o mesmo fenômeno das duas correntes.
←B) Locke e as duas correntes
O século XVIII, segundo E. Cassirer, é o século que descobriu a autonomia da razão; é o século que venerou a razão como a suprema força do homem. É certo que muitos se expressaram dessa forma ao referir-se ao século XVIII, porém, é preciso não esquecer qual é o fundamento da razão iluminista. O empirismo é nominalista, e levou o século XVIII aos mesmos erros que a ascensão da escola nominalista fez florescer em fins da Idade Média.
Para se assegurar essa autonomia da razão, “era condicón previa que se cortara definitivamente el vínculo entre la teología y la física.”.[58] Sendo assim: “Quien se dé cabal cuenta desto ya non puede volver atrás. No es posible ningún compromiso ni conciliación; hay que escoger entre libertad y servidumbre, entre conciencia clara y afecto turbio, entre conocimiento y fe.”.[59]
Essa posição está intrinsecamente ligada, como estava no século XIV, com a negação do conhecimento. É a “relatividad del conocimiento científico la que atrae a su cauce a la religión misma. Nin una ni la otra pueden ser fundadas racional y objetivamente; tenemos que contentarnos con derivarlas de sus fuente subjetivas...”.[60]
Encontramos aqui, portanto, o mesmo problema que Panofsky havia notado no século XIV, isto é, a negação do conhecimento e, em decorrência, o subjetivismo. O subjetivismo, como vimos acima, é o fundamento comum de duas visões de mundo que se apresentam como opostas. A separação nominalista entre o ‘eu’ com seus raciocínios e o mundo dos indivíduos, leva à separação entre a fé, que versa sobre coisas não acessíveis aos sentidos, e o mundo empírico percebido pelos sentidos.
“Con arreglo a todos los esfurzos críticos de Locke, el ser y el saber aparecen de nuevo como dos mundos separados.”[61]
Exatamente por isso, em Locke podemos encontrar as duas vias, uma que nos conduz ao idealismo irracionalista e outra ao empirismo cético. Como nota J. Thonnard, Locke “opta resolutamente pelo Empirismo; se ele próprio lhe não deduz todas as conseqüências, é refletindo sobre as análises de seu “Essai” que Berkeley e Hume vão realizar esse desenvolvimento doutrinal.”.[62] E o Pe. L. Franca afirma: “Locke, aplicando à psicologia os métodos experimentais inculcados pelo mestre funda um empirismo em cujo seio incubava os gemes do idealismo, do fenomenismo e do ceticismo, pouco depois desenvolvidos por Berkeley e Hume.”[63]
E. Cassirer, do mesmo modo, afirma que:
“Una comparación entre Berkeley y Hume nos muestra con característica claridad a qué resultados tan diferentes puede conducir el mismo punto de vista metodológico cuando es abrazado por espíritus de diferente matiz intelectual y de tendencias y orientaciones personales distintas, Los mismos hechos que mueven e incitan a Berkeley a transcender por sobre el campo de las simples percepciones de los sentidos son los que ahora se toman como base para sujetar-nos para simpre a este terreno.”.[64]
I. K. Luppol, em sua biografia de Diderot, considerando esse problema concluí:
“A reflexão equivale sensação. Daqui parte o conceitualismo de Locke. Daí procede o conflito interior de sua filosofia entre dois aspectos da doutrina: o realista ou materialista e o psicológico ou idealista.”.[65] O mesmo autor diz ainda que: “Assim Diderot afirma a verdade do sensualismo. Outra qualquer teoria do conhecimento seria inadmissível, visto como a impressão é o primeiro passo para o saber. Mas o leitor deve se lembrar que o sensualismo tem dupla face “Berkeley e Diderot saíram de Locke”, como diz Lênin no seu Materialismo e Empireocriticismo.”.[66]
“A reflexão equivale sensação. Daqui parte o conceitualismo de Locke. Daí procede o conflito interior de sua filosofia entre dois aspectos da doutrina: o realista ou materialista e o psicológico ou idealista.”.[65] O mesmo autor diz ainda que: “Assim Diderot afirma a verdade do sensualismo. Outra qualquer teoria do conhecimento seria inadmissível, visto como a impressão é o primeiro passo para o saber. Mas o leitor deve se lembrar que o sensualismo tem dupla face “Berkeley e Diderot saíram de Locke”, como diz Lênin no seu Materialismo e Empireocriticismo.”.[66]
Temos, portanto, os filhos de Locke: Berkeley, o idealista, e Hume, o cético. Ou ainda, Berkeley idealista e Diderot materialista.
A negação do conhecimento e do ser são fundamentos do pensamento moderno. Esses princípios levam inevitavelmente ao ceticismo, que, como vimos, possui dupla face.
Considerando o movimento filosófico do século XVIII, que vai do fenomenismo da ciência natural matemática até o ceticismo de Hume e passando evidentemente pelo idealismo de Berkeley, é importante enfatizar, juntamente com E. Cassirer, que “no se trata de una construcción puramente mental, sino de um processo histórico concreto que podemos seguir paso a paso en el pensamiento del siglo XVIII y hacerlo patente en sus más finas ramificaciones.”.[67]
Um exemplo que corrobora a constatação de E. Cassirer é o caso de Diderot.
←C) O Caso de Diderot
Denis de Diderot (1713 – 1784), o idealizador da Encyclopédie ou Dictionaire raisonné des sciences, des arts et de métiers, alma do século, arquétipo do iluminista, tido por muitos como materialista, é, segundo E. Cassirer, entre todos pensadores do século XVIII o que tem o olfato mais fino para perceber todos os movimentos e mudanças da época. Ora, Diderot, em 1749, escreveu uma obra intitulada Lettre sur les aveugles (Carta Sobre os Cegos), na qual faz uma afirmação muito interessante. Segundo ele:
“O idealismo bem merece por si ser denunciado; e esta hipótese [a doutrina de Condillac] tem com o que espicaçá-lo menos por sua singularidade do que pela dificuldade de refutá-la em seus princípios; pois são precisamente os mesmos que os de Berkeley. Segundo um e outro, e segundo a razão, os termos essência, matéria, substância, substrato etc. não trazem quase por si mesmos luzes ao nosso espírito; aliás, observa judiciosamente o autor do Ensaio Sobre a Origem dos Conhecimentos Humanos [Condillac], quer nos elevemos até os céus, quer desçamos até os abismos, nunca saímos de nós mesmos; e só percebemos nosso próprio pensamento: ora, este é o resultado do primeiro diálogo de Berkeley, e o fundamento de todo o seu sistema.”.[68]
Há nessa declaração três coisas que devemos notar:
2. Aceita como racional o princípio idealista.
3. Afirma que Condillac, um dos principais discípulos de Locke, aceita o princípio fundamental do idealismo de George Berkeley.
O primeiro ponto é simples: a condenação é aparente porque, apesar de chamar o idealismo de absurdo, julga que seus fundamentos estão de acordo com a razão. Note-se que a razão é o ídolo do século! O segundo ponto é propriamente o paradoxo: o irracionalismo é racional! Por fim, o terceiro ponto vem resolver, pelo menos explicar essas afirmações chocantes, isto é, vem mostrar que realmente há uma lógica interna em tudo isso, já que Diderot baseia-se na ‘razão’ iluminista, que sendo empirista pode tanto se apresentar como racionalista (no fundo cética) quanto tomar a forma de um idealismo irracionalista.
I. K. Luppol, marxista do mais profundo da alma, crê firmemente que Diderot tornou-se materialista. Porém, ao tratar dessa posição de Diderot na Carta Sobre os Cegos, declara placidamente: “Envolvidos em tal processo não somos, entretanto, obrigados, parece-nos, a ultrapassar os limites de nossa própria consciência. Diderot não resolve este complexo problema suficientemente, nem dogmaticamente.”.[70] A afirmação é extremamente interessante, ainda mais vindo de quem vem. Ela indica a posição marxista a respeito desse problema epistemológico, ou seja, indica a união íntima entre idealismo e materialismo na doutrina marxista. Todavia, não estamos aqui para tratar de Marx. Voltemos a Diderot.
Para ser materialista, Diderot deveria optar pelo mundo e não pela consciência. E segundo I. K. Luppol ele escolhe o mundo. Mas como? Por quê? Qual seria o argumento que Diderot teria para escolher um em detrimento do outro, sendo que o próprio I. K. Luppol afirmou que não lhe parece necessário ultrapassar “os limites da nossa própria consciência”? O mesmo Luppol responde:
“Mas, dir-se-á, Diderot deu um salto lógico e metafísico ao transpor o mundo de suas sensações, o que é inadmissível. Mas, em que teria consistido esse salto? O sujeito-conhecimento e os objetos conhecidos se confundem. (...) O ser e o pensamento se opõem, o ser e o pensamento se confundem. São dois atributos de uma mesma substância, a matéria.”.[71]
Que tal? A solução dada por I. K. Lupool fundamenta-se na dialética hegeliana, que nega os primeiros princípios da razão e a distinção entre sujeito e objeto, caindo no mais perfeito idealismo. Talvez fosse melhor, para um materialista convicto, afirmar simplesmente que Diderot “não resolve este complexo problema suficientemente”. Enfim, não só o iluminista Diderot, mas também o materialista Luppol, são conseqüências concretas do problema filosófico que gerou as duas grandes correntes do pensamento moderno.
Essa posição de Diderot é bem interessante, pois o leva a uma situação extremamente dúbia e instável. E. Cassirer, ao considerar a contradição do fatalismo defendido por d’Holbach, chega à conclusão que essa não é a posição adotada por Diderot, o qual teria adotado uma posição dialética, aceitando ao mesmo tempo liberdade e determinismo como coisas constituintes da natureza humana.[72] Essa posição, que está ligada profundamente ao problema do conhecimento, demonstra o desejo de Diderot de unir as duas correntes. Contudo, Diderot não obteve sucesso, e permaneceu errante, cambaleando de um lado para o outro.
“El siglo XVIII no participa, en su totalidad, en esta vorágine de la dialética de Diderot, que le lleva y le trae del ateísmo al panteísmo, del materialismo ao pampsiquismo dinámico.”.[73]
A doutrina de Diderot mostra, em um caso particular, não só os princípios, mas ainda os desenvolvimentos e a ponte de trafego entre as duas correntes do espírito moderno.
←Conclusão
Hoje o subjetivismo triunfa. Os princípios da Revolução Francesa, filha do Iluminismo, espalharam-se por todo o mundo, com todas suas lastimáveis conseqüências. O subjetivismo triunfa hoje porque o ceticismo venceu no século XVIII, e a vitória do ceticismo é o triunfo do espírito moderno, que ao repudiar a luz do conhecimento lançou o mundo nas mais profundas trevas.
É importante notarmos, ainda que na conclusão, que todos esses princípios e formas do pensamento moderno, poderiam ser vistos claramente na doutrina daquele que ficou conhecido como o pai da filosofia moderna, isto é, René Descartes.
J. Kleütgen, estudando o surgimento da filosofia moderna, afirma que é com Descartes que o subjetivismo assume importância em filosofia. E considerando o método cartesiano, ele nota que:
“Cette méthode engendra, en Angleterre, un scepticisme renouvelé des anciens ; en Alemagne elle fit naître l’idéalisme critique avec toutes ses conséquences, et l’on se vit ainsi arrivé aux plus tristes résultats.” [Este método gerará, na Inglaterra, um ceticismo renovado dos antigos; na Alemanha ela fez nascer o idealismo crítico com todas as suas conseqüências e, assim, chegou-se aos mais tristes resultados.].[74]
Evidentemente, a corrente vigorosa e preponderante no iluminismo francês foi a cética, de origem inglesa. Contudo, tanto o idealismo quanto o ceticismo negam, com Descartes, nossos conhecimentos evidentes. Essa negação das evidências faz com que o homem, não encontrando nada certo e seguro fora de si, tenha apenas o ‘eu’ como fonte de todo seu conhecimento.[75]
Como bem notou um existencialista :
“A partir de Descartes, la filosofía moderna no ha hecho sino pensar sobre ese problema : ¿cómo sacaremos el mundo exterior del pensamiento y del yo ?, ¿cómo extraeremos el mundo exterior del pensamiento?” [A partir de Descartes, a filosofia moderna não tem feito senão pensar sobre esse problema: como tiraremos o mundo exterior do pensamento e do eu?, Como extrairemos o mundo exterior do pensamento?].[76]
O ‘eu’ é o beco sem saída do pensamento moderno. A existência do mundo e outras coisas evidentes não podem ser demonstradas, pois o que é evidente não se demonstra.
Esse problema é tão notório, que é admitido mesmo por aqueles que se declaram adeptos dos princípios modernos, como Ernst Cassirer, Karl Popper e M. García Morente. Este último, apesar de existencialista, chega à mesma conclusão que J. Kleütgen quando estuda Descartes:
“la marcha del pensamiento cartesiano no puede tener más que uno de estos dos resultados: o bien encallaba en la infructusidad completa, naufragando en el escepticismo completo, y entonces terminaba la navegación filosófica en el piélago del escepticimo; o bien forzosamante tenía que llegar a descubrir por primera vez en la historia del pensamiento humano algo completamente nuevo: lo inmediato. (...) Por eso Descartes, echándose a buscar qué es lo que sea indubitable, no tine más remédio que hacer un cuarto de converción hacia dentro de sí mismo y situar el centro de gravedad de la filosofia, no en las cosas, sino en los pensamientos. Entonces Descartes a la pergunta de la metafísica: ¿qué es lo que exite?, ¿quién existe?, no contesta ya: existen las cosas, sino que contesta: exite el pensamsiento; exito yo pensando; yo y mis pensamientos.” [a marcha do pensamento cartesiano não pode ter mais que um desses dois resultados: ou encalhava na infrutuosidade completa, naufragando no ceticismo completo, e então terminava a navegação filosófica no abismo do ceticismo; ou teria que descobrir, forçosamente, pela primeira vez na história do pensamento humano algo completamente novo: o imediato. (...) Por isso Descartes, lançando-se à busca daquilo que é indubitável, não tem outro remédio senão fazer um quarto de volta para dentro de si mesmo e situar o centro de gravidade da filosofia, não nas coisas, mas nos pensamentos. Então Descartes à pergunta metafísica: ‘o que é que existe?’, ‘quem existe?’, não responde já: existem as coisas, mas responde: existe o pensamento; existo eu pensando; eu e meus pensamentos.].[77]
O ceticismo materialista é permitido, mas o termo último do pensamento moderno é o idealismo.
“Il est donc hors de doute que le nominalisme, poussé à ses dernières conséquences, se prend dans un sceticisme idealiste.” [É, portanto, fora de dúvida que o nominalismo, levado às suas últimas conseqüências, deságua em um ceticismo idealista.].[78]
Por isso, peço ao leitor ainda um pouco de paciência para ler uma citação, pois além de ser clara e muito elucidativa, por ser de um adepto da filosofia moderna, tem valor de confissão. Vejamos:
“Espontánea y naturalmente ustedes creen, como yo, que las cosas existen. Ustedes y yo y todos los hombres somos espontáneamente y naturalmente aristotélicos (...) Pero ahora se nos propone una actitude vertiginosa; se nos propone algo desusado y extraordinário, como uma especie de ejercicio de circo. Se nos propone nada menos que esto: que lo único de que estamos seguros que existe soy yo y mis pensamientos; y que es dudoso que más allá de mis pensamientos existan las cosas. De manera que el problema, para la filosofía moderna, es tremebundo, porque ahora la filosofia no tiene más remédio que sacar del ‘yo’ las cosas. (...) Ahora es cuando la filosofia empieza a ser difícil: porque ahora es cuando la filosofia, por necessidad histórica y no por capricho, se ha vuelto de espaldas al sentido común, se ha vuelto de espaldas a la propensión natural y nos invita a realizar un ejecicio acrobático de una extrema dificuldad, que consiste en pensar las cosas como derivadas del yo. He aquí a lo que llegamos con la nueva tesis del idealismo...” [Espontânea e naturalmente vocês crêem, como eu, que as coisas existem. Vocês e eu e todos os homens somos espontaneamente e naturalmente aristotélicos (...) Porém agora, se nos propõe uma atitude vertiginosa; se nos propõe algo desusado e extraordinário, como uma espécie de exercício de circo. Se nos propõe nada menos que isso: a única coisa de que estamos seguros que existe sou eu e meus pensamentos; e é duvidoso que além de meus pensamentos existam as coisas. De maneira que o problema para a filosofia moderna é assustador, porque agora a filosofia não tem mais remédio senão tirar do ‘eu’ as coisas. (...) Agora é que a filosofia começa a ser difícil: porque agora é que a filosofia, por necessidade histórica e não por capricho, volta as costas ao senso comum, voltou-se de costas à propensão natural y nos convida a realizar um exercício acrobático de extrema dificuldade, que consiste em pensar as coisas como derivadas do eu. Eis aqui ao que chegamos com a nova tese do idealismo...]. [79]
M. G. Morente é claro: a filosofia moderna renegou o senso comum e a propensão natural do homem. Poderíamos afirma, portanto, que ela virou às costas ao bom senso e negou a evidência. Essa posição absurda e antinatural não poderia senão estabelecer o caos. O pensamento moderno negou a verdade claramente conhecida e deixou o homem moderno à deriva, sendo lançado ao sabor das ondas de um lado para outro, do materialismo ao idealismo e do idealismo ao materialismo, sem nunca encontrar a paz.
J. Kleütgen, com razão, analisando o que ele chamou de correntes do espírito moderno, afirmou: “Les deux courants de l’esprit moderne, l’orgueil et le sensualisme s’y réunissent et coulent en quelque sort dans le même lit. D’un côte, l’esprit de l’homme s’elève au point de s’attribuer les perfections divines ; de l’autre, cepandent, il s’abaisse jusqu’à se confondre avec la chair.” [As duas correntes do espírito moderno, o orgulho e o sensualismo, aí se reúnem e correm, de algum modo, no mesmo veio. De um lado, o espírito do homem se eleva ao ponto de se atribuir as perfeições divinas; de outro, entretanto, ele se abaixa até se confundir com a carne.].[80]
O século XVIII, portanto, não foi o século das luzes, mas pelo contrário, foi o século que lançou as raízes das trevas subjetivistas e irracionalistas que triunfam em nosso mundo contemporâneo.
[1] José Jobson de A. Arruda. História Moderna e Contemporânea. 19ª. ed. São Paulo: Ed. Ática, 1986, p. 115
[3] Emmanuel Kant. Filosofía de la historia. 2ª. ed., México: Fondo de Cultura Económica, 2004, p. 25
[6] Quando Jacques Le Goff foi encarregado por vários editores de organizar uma coleção de livros sob o tema ‘Europa’, ele confiou a P. Rossi o volume sobre a ciência. Além do que, P. Rossi é reconhecidamente um dos maiores especialista em Francis Bacon na atualidade.
[9]Cf. Luis Alberto De Boni. Filosofia Medieval: texto. 2ª. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p. 173
[11] Como explica J. Maritain, podemos definir a indução como “uma argumentação em que, de dados singulares suficientemente enumerados, o espírito infere um verdade universal.”. (Jacques Maritain. Elementos de filosofia II: a ordem dos conceitos, lógica menor (lógica formal). Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1997, pp. 302-302 – o negrito é nosso).
[12] Cf. Luis Alberto De Boni. op. cit. p. 172 (o negrito é nosso)
[13] A. C. Crombie. História de la Ciencia: de San Agustín a Galileo. 4ª. ed. Madrid: Alianza Editorial, S.A., 1983. p. 137
[14] A. C. Crombie. op. cit. p. 143
[15] F.-J. Thonnard, A. A. Compêndio de História da Filosofia. Bélgica: Sociedade São João Evangelista, Desclée & Cia. 1953, p. 318
[16] Etienne Gilson. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1995, p. 626 (o negrito é nosso).
[17]Cf. Luiz Jean Lauand. Cultura e educação na Idade Média: textos do século V ao XIII. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1998, p. 304 (o negrito é nosso).
[20] Jacques Maritain. Elementos de filosofia I: Introdução Geral à Filosofia. 10ª. ed., Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1972, p. 82
[21] Paul Hazard. O pensamento europeu no século XVIII. vol. I. Portugal / Brasil: Ed. Presença / Ed. Martins Fontes, 1974, p. 62
[22] Ernst Cassirer. La Filosofía de la Ilustración. 3ª. ed., México: Fondo de Cultura Econômica, 2002, p. 120
[25] Michele F. Sciacca. História da Filosofia. vol. II – Do Humanismo a Kant. São Paulo: Editora Mestre Jou, 1962, p. 97
[26] Leonel Franca. Noções de História da Filosofia. 10 ed. Rio de Janeiro: Companhia Editorial Nacional, 1944, p. 202
[27] Cf. Pedro Leite Junior. O Problema dos Universais: a perspectiva de Boécio, Abelardo e Ockham. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2001, pp. 20-21
[28] Joseph Kleutgen. La Philosophie Scolastique exposée et défendue. Tomo I. Paris: Gaume Frères et J. Duphey Édituers, 1868, p. 327
[29] Cf. Etienne Gilson. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1995, p. 799 (o negrito é nosso).
[33] Esse erro provém de uma falsa concepção de abstração e será desenvolvido pelos empiristas modernos, de modo especial por John Locke, no qual ficará ainda mais evidente a confusão entre intelecto e sensibilidade. Como nota J. Kleütgen: “On oppose d’ordinaire à cette théorie que les representations intellectuélles ainsi formées ne se distingueraient essentiellement des perceptions sensibles ni par leur objet ni par leur principe. Si le concept se forme par la comparaison de ce qui tombe sous les sens, il ne peut contenir que des choses perceptibles par les sens (...) L’inteligence d’après Locke, ne serait donc distincte de la sensibilité que par le nom.” [Opõe-se comumente a essa teoria que as representações intelectuais assim formadas não se distinguiriam essencialmente das percepções sensíveis, nem pelo seu objeto, nem pelo seu princípio. Se o conceito se forma pela comparação daquilo que caí sob os sentidos, ele só pode conter coisas perceptíveis pelos sentidos (...) A inteligência, segundo Locke, não seria distinta da sensibilidade senão pelo nome.] (J. Kleütgen. op. cit. p. 135 – o negrito é nosso).
[35] “Ockham nega a objetividade dos nossos conhecimentos intelectuais, reduzindo-os a puros conceitos subjetivos, rejeita a necessidade das espécies impressas e da inteligência ativa. (...) Essas doutrinas especulativas levam ao ceticismo e ao materialismo.” (L. Franca. op. cit. p.147).
[36] Régis Jolivet. Curso de Filosofia. ed. 14º. Rio de Janeiro: Editora Agir, 1982, p. 76. Segundo Aristóteles: “Julgamos conhecer cientificamente (έπίστασθαι) cada coisa de modo absoluto e não à maneira sofística, por acidente, quando julgamos conhecer a causa pela qual a coisa é, que ela é a sua causa e que não pode essa coisa ser de outra maneira.” (Seg. Anal. I,2, 71b9-12. Cf. Oswaldo Porchat Pereira. Ciência e dialética em Aristóteles. São Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 35). Dessa definição decorre os princípios fundamentais do conhecimento científico, ou seja, a causalidade e a necessidade.
[37] “Para ele [Ockham], é suficiente um tipo de conhecimento provável, que, baseando-se em repetidas experiências, permite prever que o que aconteceu no passado tem alto grau de possibilidade de acontecer também no futuro. Abandonando, portanto, a confiança aristotélica e tomista nas demonstrações metafísico-físicas, ele teoriza certo grau de probabilidade derivada da pesquisa e, ao mesmo tempo, a estimula em um universo de coisas individuais e múltiplas, não correlatas por nexos imutáveis e necessários.” (Giovanni Reale. op. cit. p. 620).
[40] Erwin Panofsky. Arquitetura Gótica e Escolástica. 2° ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2001, p. 9 (o negrito é nosso). É Importante notar que Panofsky utiliza o termo empirismo para se referir ao problema do nominalismo. Isso porque o nominalismo só aceita o que ele denomina ‘conhecimento’ experimental, empírico. Por isso, ao considerar os fundamentos da doutrina de Ockham, Gilson afirmou: “Acrescentemos a essa severa concepção da demonstração um gosto vivíssimo pelo fato concreto e pelo particular, que devia exprimir-se num dos empirismos mais radicais que se conhece” (E. Gilson. op. cit. p. 796).
[43] John Locke. Ensaio, II, 1, § 3. Mais à frente Locke afirma claramente sua posição nominalista sobre os termos gerais, ou seja, sobre os universais. Segundo Locke: “Ao retornar às palavras gerais, creio que, pelo que foi explicado, ficou evidente que geral e universal não comportam a existência das coisas, mas são criaturas e inversões do entendimento, formadas por ele para o seu próprio uso e se referindo apenas a sinais, quer palavras, quer idéias.” (J. Locke. op.cit. § 11).
[44] Considerando a psicologia de Locke, Thonnard nos afirma: “Ainda aqui continua e amplia a influência de Descartes; como este, já ele não distingue o domínio sensível do intelectual;” (J. Thonnard. op. cit. p. 567).
[45] John Locke. Ensaio, IV, 3, § 25 (o negrito é meu). Cf. Ernst Cassirer. El Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas.Vol. II. México: Fondo de Cultura Económica, 2000, p. 226
[46] E. Cassirer. El Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas. op. cit. p. 225
[50] Ernst Cassirer. La Filosofia de la Ilustración. México: Fondo de Cultura Económica. 2002, p. 80
[51] Raimund Karl Popper. A Sociedade Aberta e seus Inimigos. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1974, p. 238
[52] “O século XIII geralmente acreditou ser possível unir numa síntese sólida a teologia natural e a teologia revelada, concordando a primeira com a segunda nos limites da sua competência própria e reconhecendo sua autoridade em todas as questões relativas a Deus que ela mesma não podia resolver.” (E. Gilson. op. cit. p. 794).
[57] “Mas a mística (...) procede dessa maneira para preservar a integridade do sentimento religioso, ao passo que o nominalismo procura garantir a integridade do pensamento racional e da observação empírica (Ockham condena expressamente qualquer tentativa de submeter a ‘lógica, a física e a gramática’ ao controle da teologia como ‘anti-racional’).” (Idem, op. cit. p.10).
[58] E. Cassirer. op. cit. p. 64
[61] Ernst Cassirer. El Problema del Conocimiento en la Filosofia y en la Ciencia Modernas. op. cit. p. 227
[68] Jacob Guinsburg (org.). Diderot: Obras I – Filosofia e Política. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. 117 (o negrito é nosso).
[69] De acordo com Diderot: “Chamam-se idealistas os filósofos que, tendo consciência apenas de sua própria existência e das sensações que se sucedem dentro deles, não admitem outra coisa: sistema extravagante que só podia, segundo me parece, dever seu nascimento a cegos; sistema que, para a vergonha do espírito humano e da filosofia, é o mais difícil de combater, embora seja o mais absurdo de todos.” (Idem, op. cit. p. 117).
[75] “En partant du point de vue adopté par Descartes ou de la simple conscience que l’esprit a de lui-même et de sa pensée, a on se voyait dans l’impossibilité de parvenir à la connaissance de la réalité qui existe hors de l’esprit. On arrivait ainsi forcément à l’aveu si triste et cependant fait avec une incomprénhensible suffisance que la connaissance scientifique de la verité est impossible à l’esprit humain...” [Partindo do ponto de vista adotado por Descartes ou da simples consciência que o espírito tem de si mesmo e de seus pensamentos, nós nos veríamos na impossibilidade de chegar ao conhecimento da realidade que existe fora do espírito. Chegar-se-ia assim, necessariamente, a tão triste confissão e, entretanto, feita com uma auto-suficiência incompreensível, de que o conhecimento científico da verdade é impossível ao espírito humano.] (J. Kleütgen. op. cit. p. 9).
[76] Manuel Garcia Morente. Lecciones Preliminares de Filosofía. 8º Ed. Buenos Aires: Editorial Losada, S. A. 1962, p.141.
Para citar este texto:
"O Iluminismo - Trevas na época das luzes"
MONTFORT Associação Cultural
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Online, 21/12/2024 às 14:04:56h